Entre Odair José e a Subversão


A indústria da cultura(termo frankfurtiano), tem a incrível capacidade de absorver todo tipo de valores: morais, éticos, culturais e artísticos, destituindo-lhes de sua essência prima: a subjetividade criativa, a subversão, a negação da ideologia afirmativa tão defendida pela unificadora ciência moderna e de meio século pra cá defendida também pela grande mídia. Começo dessa maneira o artigo, para que possa partir em defesa de sujeitos muitas vezes menosprezados e ridicularizados pelo mal juízo que deles fazemos sem sequer nos permitirmos uma prévia reflexão.
Odair José, cantor popular(parece que não sabemos mais definir o que é e o que não é popular quando se trata de música) brasileiro, é mais que o sujeito, a ideologia que defenderei nessas pretensas linhas. Não nego que eu também o enxergava como mero "brega-star" de rimas e acordes fáceis até o momento em que me cobrei procurar saber mais. Por isso é compreensível a surpresa primeira de quem se depara com o título deste artigo, mas previno-o leitor, não duvide do mesmo.
Durante a ditadura, teve início uma campanha do controle de natalidade que distribuía pílulas anticoncepcionais para a população. Foi aí então que Odair José compôs ingenuamente ou não a música "Uma Vida Só", que tem por famoso o refrão "pare de tomar a pílula porque ela não deixa nosso filho nascer", a música foi censurada.
A subversão de Odair José era além de tudo visionária, no começo da década de 70 ele compõe a música "Deixe essa vergonha de Lado" que conta a história de amor entre um rapaz e uma empregada doméstica que se envergonhava da própria condição, nessa época a profissão de doméstica não era reconhecida ou legalizada. Pouco tempo depois isso mudou, sendo incorporada gradativamente com acréscimos de direitos e benefícios. A música lhe rendeu o apelido de "o Terror das domésticas".
Prosseguindo na onda subversiva e visionária de Odair José não poderia me esquecer da célebre música "Vou tirar você desse lugar". Ora, compor uma música na qual ele revela a paixão por uma prostituta em plena ditadura, sem contar o natural conservadorismo moralista de uma sociedade hipócritamente Cristã, não era pouco. Somando-se a essas composições algumas outras nas quais ele fala abertamente de sexualidade e da falsa necessidade de estar legalmente casado para a realização do amor, ele gera uma grande polêmica e é excomungado pela Igreja Católica.
Em 1979 ele grava o seu disco de menor vendagem e ao mesmo tempo de maior originalidade e sofisticação, a ópera-rock "O Filho de José e Maria". Vale à pena ouvir e descobrir o lado rock'n roll de Odair José.
As artes em geral, assim como toda forma de expressão da cultura de uma sociedade, devem assumir seu caráter mais puro e essencial de criação que na maior parte das vezes não corresponderá aos valores impostos por essa ditadura de ideologias em que vivemos, em que tudo que é bom e bonito deve estar na prateleira. É necessária a superação desses valores através da subjetivação de indivíduos que buscam incessantemente a liberdade mais plena do homem. Seja subversivo, não subserviente! Se a nossa expressão não representar uma ruptura com tudo o que está, ela não passará de mera legitimação desse sistema regulador de idéias e pensamentos. E para tanto, todas as formas de expressão merecem devida atenção, pois não é único o caminho para a transformação efetiva a nossa volta. A revolução precisa ser atuante em todas as esferas sociais para ser de fato, revolução. Cabe a nós encontrarmos os nossos muitos caminhos e reconhecermos o valor dos caminhos alheios nesse mesmo propósito, ainda que não combinado. Defendo o marginal, o mambembe debaixo da ponte, defendo o subversivo, o contestador, o que diz não! Abraço as ideologias e o seu movimento-fruto, pixado no muro, nas línguas e nas mãos que clamam e que gritam! Todos os estilos e esforços pela liberdade! Afinal de contas companheiro, a subversão também pode ser brega.

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