Memórias de uma puta triste

Ainda era muito menina quando me apaixonei pelo primeiro que chegou como quem vem do florista, era bonito e bem dotado. Ele doeu em mim muitos começos, mas ai, foi aí que descobri, eu gostava mesmo de sangrar, de ser marcada. Só não sabia que o amor pode não ter passado ou memória. Ilusão de florista que se descuida outonal. Entendi depois que o amor é um caduco com o vigor dos vinte anos ou uma criança com o tesão adolescente. É mesmo um impulso que só é sincero até o momento de gozar. Eu não gostava de sangrar e ser marcada, a verdade é que eu só gostava se sangrasse e fosse marcada. Mas não acho que o amor seja só isso. A gente guarda ele pra noite, igual as pedras guardam o sol do dia. Bobagem dizer que a temperatura estável do corpo seja de trinta e sete graus, o corpo guarda em si o calor dos amantes bem ou mal amados. É assim reconheço as pessoas, através da história que seus corpos me contam. Se se desgastaram ou ficaram frios e ensimesmados, se ardem febris e são violentos, se querem ficar ou estão só de passagem. E sei ao primeiro toque se será um homem que meu corpo vai guardar ou esquecer. E há tantos desses seguindo meus passos na rua de calçamento, me olhando famintos de trás de balcões, vitrines, guichês. Mas é certo que depois dos segundos e terceiros que vieram embriagados, desvalidos, aleijados, milionários, domesticados não importa! Depois de tantos, lembrados e esquecidos, é certo que não passei um dia sequer sem me lembrar de um específico, dos que chegam do nada, não me deitei com um outro homem sem que o comparasse com aquele especificamente. Comparo inevitavelmente os movimentos e a maneira com que me olham e o que dizem e o que calam. Se dormem comigo na primeira noite ou saem furtivos. Se me puxam os cabelos e contemplam o próprio membro me penetrando. Às vezes penso que o fato de ele não precisar ser o primeiro me fascina. Tive outros homens diante dele, só pra provocar nele qualquer ira, despertar na sua solidão a mesma paixão voraz com que ele me comia. Porque de primeiro me assustei com a idéia de não poder me despertencer e me dar a qualquer um por uma necessidade obstinada de ser só dele. Mas ele era cigano. Era do mundo. De todas as putas, madames, dondocas e carolas. Me perturbou pra sempre. Se me masturbo alguma vez hoje em dia, é sempre inspirada nele. Me esfregar com outros homens sem amá-los ainda que de um jeito efêmero, só pra testá-lo e ver que ele me olhava em silêncio, só serviu pra despertar a minha própria ira de não ser puta nem donzela, de não ser minha, nem dele nem de outro qualquer e me entreguei a ele com raiva. Horas à fio consumindo toda minha raiva de quatro, no seu colo, nas minhas unhas enterradas nele, em cada mordida selvagem. Me arrancando os gemidos, sussuros e gritos mais animais enquanto me olhava como quem diz, eu não quero ser o maior nem o primeiro, porque você já é minha, eu sei quando calar e quando te dizer que quero te ver gozar. E era exatamente assim que acontecia, e eu caía exausta livre de qualquer culpa, de qualquer raiva, em paz com aquela sensação de pertencida a qual eu tanto resistira. Então ele se virou, levantou, me olhou muito sério e me disse vestido, você não vale nada. Foi embora sem dizer mais. Foi embora sem voltar mais. E eu o comparo com todos os outros desde então. E não há uma noite que eu não pense nele enquanto me entrego a outros homens que nunca me terão da maneira que ele me tem.

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