Eu quero ser simples como a água.
Como São Francisco foi.
Simples e repleto desse mistério
que faz a faca cortar, que faz o sangue vencer a gravidade
e chegar até a cabeça,
que faz a seiva subir da raíz mais profunda
até a folha mais tenra da Samaúma.
Crônica do Não Homem nº 1
Postado por
Vital
on domingo, 20 de outubro de 2013
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Aí, de repente, a vida revelou sua total falta de sentido,
que diferença faz, se chove ou não? E se estamos na chuva ou não? Se vem um carro que passa rápido numa poça e molha a gente com água empoçada? Que diferença faz?
Se alguém te diz coisas sobre você, que supostamente deveriam te deixar triste
e até talvez te fazer chorar, mas você simplesmente não sente nada diante disso.
E não sentir nada diante disso não é indiferença - é só um monte de nada preenchendo outros montes de nada.
É a real descoberta de que ninguém perde coisa alguma,
que todas as coisas e não coisas se pertencem e o máximo que você faz durante a vida
é se entregar pra que elas (as coisas e não coisas) te usem provisória e indefinidamente como um simples meio de estar no mundo. No imenso vazio do mundo.
Cada pessoa, não é mais que uma ponte pela qual transitam sentimentos raros e vulgares,
profundos e banais; onde passam corpos e tecidos e metais e fluidos e dores e decepções e crimes e mortes e no final é como no começo - é a ausência de durante, a falta de presente; o nada absoluto. Maior que o tempo.
Aí, de repente, você envelhece e quebra ossos e se esquece onde deixou as chaves de casa, se esquece do caminho de casa, se esquece do nome próprio e vira um mendigo sem nome, sem teto, sem alegria, sem tristeza; é atropelado um dia e morre sua última morte. Numa linha de trem ou na avenida central e que diferença faz? Se ninguém enxerga sua memória esmagada por tantos automóveis insensíveis, seu corpo assassinado cotidianamente nos corpos que se desdobram para além do próprio limite. Que diferença faz?
O amor já foi banido do mundo e o seu sorriso não está.
que diferença faz, se chove ou não? E se estamos na chuva ou não? Se vem um carro que passa rápido numa poça e molha a gente com água empoçada? Que diferença faz?
Se alguém te diz coisas sobre você, que supostamente deveriam te deixar triste
e até talvez te fazer chorar, mas você simplesmente não sente nada diante disso.
E não sentir nada diante disso não é indiferença - é só um monte de nada preenchendo outros montes de nada.
É a real descoberta de que ninguém perde coisa alguma,
que todas as coisas e não coisas se pertencem e o máximo que você faz durante a vida
é se entregar pra que elas (as coisas e não coisas) te usem provisória e indefinidamente como um simples meio de estar no mundo. No imenso vazio do mundo.
Cada pessoa, não é mais que uma ponte pela qual transitam sentimentos raros e vulgares,
profundos e banais; onde passam corpos e tecidos e metais e fluidos e dores e decepções e crimes e mortes e no final é como no começo - é a ausência de durante, a falta de presente; o nada absoluto. Maior que o tempo.
Aí, de repente, você envelhece e quebra ossos e se esquece onde deixou as chaves de casa, se esquece do caminho de casa, se esquece do nome próprio e vira um mendigo sem nome, sem teto, sem alegria, sem tristeza; é atropelado um dia e morre sua última morte. Numa linha de trem ou na avenida central e que diferença faz? Se ninguém enxerga sua memória esmagada por tantos automóveis insensíveis, seu corpo assassinado cotidianamente nos corpos que se desdobram para além do próprio limite. Que diferença faz?
O amor já foi banido do mundo e o seu sorriso não está.
Beleza Morta
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Vital
on domingo, 25 de agosto de 2013
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Escrever poderia ser bom, simplesmente escolher palavras e ir colocando-as umas depois das outras como uma imensa matilha de cães e lobos que se cheiram pelo rabo e criam uma corrente que atravessa todo o espaço do nada e ruma pra lugar nenhum.
Mas é preciso coragem para encarar o papel em branco.
O escritor não pode ser um covarde. Nem pode temer a auto-revelação que vive nas suas palavras mais profundamente bem guardadas.
É preciso assumir a própria fraqueza e conhecer a morte de perto
antes de escrever um só verso verdadeiro.
É preciso ser assassinado na Síria e renascer na seca do Sertão.
A verdade é que se você está realmente vivo, em algum momento você vai ter de enfrentar essa doença incurável que te arrebata:
a incapacidade de ser indiferente ao sofrimento humano, essa triste história do mundo dos homens.
Nesse ponto o sentimento de apreciação estética já foi aniquilado, a beleza morta e esquecida.
Tudo não passa de um grande engano. As palavras estão presas na dimensão do discurso.
Tudo pode ser dito, afinal.
Rebeldia é transformar a palavra em ato e fazê-la sangrar nas mãos do leitor.
Mas é preciso coragem para encarar o papel em branco.
O escritor não pode ser um covarde. Nem pode temer a auto-revelação que vive nas suas palavras mais profundamente bem guardadas.
É preciso assumir a própria fraqueza e conhecer a morte de perto
antes de escrever um só verso verdadeiro.
É preciso ser assassinado na Síria e renascer na seca do Sertão.
A verdade é que se você está realmente vivo, em algum momento você vai ter de enfrentar essa doença incurável que te arrebata:
a incapacidade de ser indiferente ao sofrimento humano, essa triste história do mundo dos homens.
Nesse ponto o sentimento de apreciação estética já foi aniquilado, a beleza morta e esquecida.
Tudo não passa de um grande engano. As palavras estão presas na dimensão do discurso.
Tudo pode ser dito, afinal.
Rebeldia é transformar a palavra em ato e fazê-la sangrar nas mãos do leitor.
Depois
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Vital
on sábado, 20 de julho de 2013
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Comments: (3)
Eu acreditei na primeira mentira.
Depois o silêncio me inundou.
Depois,
eu nunca fui capaz da verdade.
A verdade nunca me encontrou,
passei ileso pelo risco de estar certo,
de saber algo.
A ignorância me mantém à salvo.
Eu estou na sombra,
eu me calei.
Eu acreditei na solidez da pedra.
Eu acreditei no sal da lágrima.
Eu acreditei na primeira mentira.
Depois o silêncio me inundou.
Depois,
eu nunca fui capaz da verdade.
A verdade nunca me encontrou,
passei ileso pelo risco de estar certo,
de saber algo.
A ignorância me mantém à salvo.
Eu estou na sombra,
eu me calei.
Eu acreditei na solidez da pedra.
Eu acreditei no sal da lágrima.
Eu acreditei na primeira mentira.
Pequena Memória do Mundo Modelo
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Vital
on terça-feira, 25 de junho de 2013
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A vida acontece no mercado -
Todos estão falando sobre como é se sentir feliz,
Todos estão falando sobre como é se sentir triste.
[Todos estão falando sobre si mesmos].
Não.
Não há nada no mercado
que não possa ser comprado.
Todos estão falando sobre como é se sentir feliz,
Todos estão falando sobre como é se sentir triste.
[Todos estão falando sobre si mesmos].
Não.
Não há nada no mercado
que não possa ser comprado.
Pós-Moderno
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Vital
on quinta-feira, 25 de abril de 2013
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Comments: (5)
Eu quero falar em primeira pessoa
a seguinte loucura:
-Eu sou a última pessoa, você é a última pessoa!
As pessoas não existem.
Isso não é sobre poesia.
Isso não é sobre a Escola de Frankfurt.
Isso não é sobre política ou poços de petróleo.
Isso não é sobre movimentos sociais ou zoológicos.
Isso não é sobre ataques zumbis.
Nada é mais importante que uma explosão.
O que interessa
não é
o objeto
e
ou pessoa
que
explode.
O que interessa é o barulho.
O fogo e o artifício.
Isso não é sobre Deus ou drogas sintéticas.
Isso não é sobre a guerra do Paraguai.
Isso não é sobre a reprodutibilidade técnica da arte.
Isso não é sobre o contrabando.
Isso não é sobre as estatísticas - isso não é sobre morrer.
Para estar vivo
não é preciso viver, basta escolher:
mas qual prateleira?
Isso não é sobre o amor.
Isso não é sobre a propriedade privada.
Isso não é sobre o mal estar da civilização.
Isso não é sobre sobreviver a esse mal.
Isso não é sobre os filhos e netos da depressão.
Isso não é sobre os suicidas fracassados.
Isso não é sobre nada.
Isso não é.
a seguinte loucura:
-Eu sou a última pessoa, você é a última pessoa!
As pessoas não existem.
Isso não é sobre poesia.
Isso não é sobre a Escola de Frankfurt.
Isso não é sobre política ou poços de petróleo.
Isso não é sobre movimentos sociais ou zoológicos.
Isso não é sobre ataques zumbis.
Nada é mais importante que uma explosão.
O que interessa
não é
o objeto
e
ou pessoa
que
explode.
O que interessa é o barulho.
O fogo e o artifício.
Isso não é sobre Deus ou drogas sintéticas.
Isso não é sobre a guerra do Paraguai.
Isso não é sobre a reprodutibilidade técnica da arte.
Isso não é sobre o contrabando.
Isso não é sobre as estatísticas - isso não é sobre morrer.
Para estar vivo
não é preciso viver, basta escolher:
mas qual prateleira?
Isso não é sobre o amor.
Isso não é sobre a propriedade privada.
Isso não é sobre o mal estar da civilização.
Isso não é sobre sobreviver a esse mal.
Isso não é sobre os filhos e netos da depressão.
Isso não é sobre os suicidas fracassados.
Isso não é sobre nada.
Isso não é.
Carta Engavetada nº 2
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Vital
on domingo, 7 de abril de 2013
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Amor,
eu te escrevo pra me curar de mim mesmo na tua interpretação,
na palavra que ganha a voz da tua consciência e ressoa habitante do teu corpo.
Todo sentimento é maior que qualquer significado, qualquer explicação.
Por isso eu sinto o que te escrevo tanto quanto eu nem soubesse quem eu sou.
Eu enquanto um núcleo isolado, uma solidão no fundo do mar, pouco sou, nada sou.
Mas a vida acontece até o limite de ser a própria consequência infinita de si mesma,
e eu fico tentando esculpir o tempo dentro do espaço que nos compreende,
como se houvesse uma maneira de te amar mais e sofrer menos.
Amar é a vontade de ser no outro, eu aprendi isso em você.
No silêncio do teu tato. E a mesma força que acendeu as estrelas,
habita o sentimento que aperta a boca do estômago, porque o amor que é sempre
relacionado ao coração, quando dói, dói na boca do estômago, como uma fome do avesso.
Viver e estar vivo ao mesmo tempo é muito mais duro que parece. Porque a vida
não é feita de compensações, viver não é intercalar pequenos sofrimentos e pequenas alegrias. É muito mais paradoxal que isso, como sofrer de alegria, como achar bonito
alguém chorando de verdade, na convulsão absurda de estar o tempo todo em situação, de nunca conseguir de fato ser apenas um expectador da vida - você está o tempo todo no seu corpo e o seu corpo está o tempo todo no espaço, toda escolha parte daí. Isso é liberdade.
O amor é o incerto, me parece sempre uma coisa maior, como diz naquela música 'o que é demais nunca é o bastante, a primeira vez sempre a última chance...'. O amor é a garantia de que não há garantias. Eu te amo assim.
p.s.: Amar é a melhor forma de ser livre.
eu te escrevo pra me curar de mim mesmo na tua interpretação,
na palavra que ganha a voz da tua consciência e ressoa habitante do teu corpo.
Todo sentimento é maior que qualquer significado, qualquer explicação.
Por isso eu sinto o que te escrevo tanto quanto eu nem soubesse quem eu sou.
Eu enquanto um núcleo isolado, uma solidão no fundo do mar, pouco sou, nada sou.
Mas a vida acontece até o limite de ser a própria consequência infinita de si mesma,
e eu fico tentando esculpir o tempo dentro do espaço que nos compreende,
como se houvesse uma maneira de te amar mais e sofrer menos.
Amar é a vontade de ser no outro, eu aprendi isso em você.
No silêncio do teu tato. E a mesma força que acendeu as estrelas,
habita o sentimento que aperta a boca do estômago, porque o amor que é sempre
relacionado ao coração, quando dói, dói na boca do estômago, como uma fome do avesso.
Viver e estar vivo ao mesmo tempo é muito mais duro que parece. Porque a vida
não é feita de compensações, viver não é intercalar pequenos sofrimentos e pequenas alegrias. É muito mais paradoxal que isso, como sofrer de alegria, como achar bonito
alguém chorando de verdade, na convulsão absurda de estar o tempo todo em situação, de nunca conseguir de fato ser apenas um expectador da vida - você está o tempo todo no seu corpo e o seu corpo está o tempo todo no espaço, toda escolha parte daí. Isso é liberdade.
O amor é o incerto, me parece sempre uma coisa maior, como diz naquela música 'o que é demais nunca é o bastante, a primeira vez sempre a última chance...'. O amor é a garantia de que não há garantias. Eu te amo assim.
p.s.: Amar é a melhor forma de ser livre.