Ode ao Absurdo
Postado por
Vital
on sexta-feira, 25 de novembro de 2011
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Eu não quero ler o que vocês escrevem. Estou cansado de sustentar o fardo da simpatia, da atenciosidade, do tom de voz ameno que emprego ao telefone ou na padaria; quando diante de senhorinhas frágeis e caducas, como a falsear uma benevolência cristã que me foi imposta diariamente desde o nascimento - meu parto pagão. Eu sou o egoísta, o vaidoso; do alto da minha soberba filosófico-literária que permanece incompreendida aos olhos dos passantes, dos supostos devoradores de clássicos, dos patéticos diários expostos, eu escarro a minha mais alveolar indiferença, me enfastio e escrevo. Não para exterminar o tédio, nem para fazer dele matéria de minha crônica, mas simplesmente para ser lido, ser lido e adorado pela cara das palavras que escolho copiosamente e sob as quais me escondo do risco de ser apreendido; me resguardo de perder a alma na distância existente entre a palavra que alguém lê e o silêncio que escrevi. Renuncio à adulação dos elogios barganhados no salão estéril das harpias, quero ser lido apenas. Sou um perversor de palavras destituído de propósitos, quero não mais que a floração sexual de palavras arrevesadas, vadias. Sou o condenado provocador de parricídios, o absurdo que não coube no código de ética e escorreu nos panos nobres, manchou de porra a alvura da seda islâmica, a obscuridade do hábito clerical; sou eu o feiticeiro que sem pudor ergueu o sexo para um mundo de anjos celibatários. Eu sou o plebeu que preferiu libertar Barrabás a Jesus Cristo. Eu sou o louco que gargalhava desesperadoramente ante as traições romanas. Eu sou a navalha entre os dedos do pé de Madame Satã, sou a inconseqüência que move e mata o mundo na desmedida concomitância de cães no cio. Eu sou o narciso, o dionísio nietzschiano que empunha o martelo debaixo de um temporal de vinho e putas decaídas, deliradas de virtudes pecaminosas, insaciáveis em seu desejo de desafiar deus. Eu sou a primeira pedra atirada para qualquer lado. Sou o lado algum. O pregador babilônio que segue impune, destruindo famílias, religiões, outdoors, porque eu não quero a aparente tranqüilidade da vida, a normalidade bordada nos uniformes comprados anualmente. As máscaras estão todas perdidas, indissimuláveis, e isso não tem nada a ver com Apolo, trata-se do abismo secular da existência. Eu estou em Sodoma e Gomorra simultaneamente, gozando meus últimos impropérios enquanto o arcanjo estivador ateia fogo ao paraíso e cega a urgência dos homens que se excederam em olhar. Eu estou em Sodoma e Gomorra simultaneamente e brindo à minha última orgia que é farta e grandiosa face à ira arrasadora do deus que pilha e saqueia os prazeres alheios contidos na sua desonrosa criação. Eu não quero ascender ao Olympo para o banquete dos deuses, nem repousar nos campos Elíseos ao lado dos bravios e vencedores heróis inventados. Eu estou no lixão, no esgoto halogêneo, confrontando a precariedade do homem - de mim mesmo. Eu vivo a contenda atemporal entre mim e eu mesmo. Eu não estou. Quero que não me leiam mais, que não me decifrem mais, enquanto miro esse deserto de sal à exaustão ocular e nada mais reste apesar de minhas retinas intactas. Quero ser o primeiro a esquecer absolutamente de mim para não ter que dividir essa importância com mais ninguém.