desaniversário

e assim nos chamamos todos de José
acreditamos na doçura da casquinha de sorvete,
nos entre-olhamos em volta da mesa
e pensamos que não estamos perdidos
que a sobremesa talvez guarde um segredo pra cada um
e que se um dia parar de chover
descobriremos que a nossa verdade não era mais que uma data marcada,
que o que todo mundo quer é se encontrar
sem perder o sentimento de não termos nos conhecido até o fim,
de não nos esgotarmos do nosso próprio cansaço
que liqüefaz o nosso amor numa palavra: saudade.

A Cidade

A cidade acontece em seu infinito materialismo
feito de tijolos e absurdos
cortados por avenidas repletas de edifícios
e o antagonismo de tantas arquiteturas co-viventes
do mesmo atemporal espancamento juvenil iroso
a que foram submetidos os estilos ideais burgueses
assim como os mendigos sem marquises
Reclamam! que as pessoas não lêem mais jornais,

- que as mentiras legalizadas valem menos no mercado de hoje.

Concupiscentes continuarão mesmo após os pontos finais,
as vírgulas ajudam a compor o fluxo que a alimenta,
semáforos pontuam crônicas anunciadas, mortes repetidas.
Muitas vozes recitando um poema dissonante
musicado nas construções, buzinas e um motor insensível
aos esquecidos abandonos.

O insone crime noturno cometido nas esquinas,
delitos enamorados de alguma fábula romântica que Hollywood adapturpou.
Corações febris apenas no dia da ressaca
de mais uma boemia insossa, do falso teatro que torto se representa,

[é por não saber e só].

Que essa contingência dos pontos de ônibus
é também um pouco o nosso medo da morte,
o que fazem quando não chove? Quando uma metáfora é cimentada,
e as mulheres que dizem não por um arrependimento passado
caminham no mesmo perigo das galerias noturnas.

Há uma história silenciosa na pele da cidade,
converge-se a si mesma nessa vontade de potência,
desenho de homens loucos,
esse consumo meta-mercantil.
Não sabemos como chegaremos em casa porque os caminhos
não estão prontos.

O poeta já disse, é de todos e de ninguém
e não pára nunca de arder.

refletido

Eu abandonei meus antigos preceitos,
não perco mais tempo.
Medir o peso dos erros passados
fazer a conversão de equivalência com os acertos que trago nos bolsos,
tudo isso é vão e cansa a menina.
Pretender razão para legitimar o pontual ciúme da namorada
é uma tremenda burrice,

ciúmes: aprenda a não morrer por isso e deixe-o
como um incenso na sua casa de amar.

Depois a gente é movimento,
gente é movimento.
Não existe balança,
não quero justiça do amor.
Saborear a delícia de um fogo desigual me fascina,
porque na essência todo fogo queima e isso basta.

uma breve história sobre os homens

Havia um rei que reinava soberano pelo simples fato
de acreditar(em) ele ter um atributo real, de sua própria realeza.

Havia um nobre que freqüentava a corte com nobreza,
porque ele era hábil com talheres e mantinha uma postura ereta.

Havia um bobo risível de sua estupidez que era a todos aprazível,
posto que gostavam da hipocrisia de justo o bobo dizer as verdades indizíveis.

Havia um bispo, cânone representante de deus por causa de sua batina e seu anel que gostava de vinhos e legitimava a realeza do rei por ter tido em particular com deus.

Havia um servo que nada sabia a não ser o seu desígnio
de servir e não saber nem do real, nem dos talheres, nem das verdades e nem de deus.

Havia uma mulher que tudo percebia e era apenas bela,
porque sem a mulher não se faz história nem se faz história.

Havia um súdito que acreditava sua sucursal
aos reais caprichos de sua realeza el rei.

Havia um louco que acreditava ser rei e reinar soberano pelo simples fato
de ter ele um atributo real, de sua própria realeza fantástica e indubitável.

Sentinela

"...seu rosto brilha em reza, brilha em faca e flor
Histórias vem me contar..."

trecho de Sentinela de Milton e Brant.




para os lá de casa


Meu deus dos ateus,
O que foi que eu fiz de mim
[sem interrogações]
a memória do meu corpo me diz,
minha lágrima, meu compartimento de lágrimas,
minha tristessência, onde me esqueci das orações,
ao que a fé pode me levar, porque de faca reluz sem antes.
A que distância exata me encontro de mim mesmo, de minha liberdade,
Não importa, eu aceito que sejam como a continuação de seus avós,
eu não pergunto aonde vai a estrada,
um saci me roubou as rédeas e a lanterna não vale o tamanho do escuro,
nem mesmo cem velas valem o tamanho do escuro.
Meu poço cabe muitos eus, e não sou falso.
Minhas fontes sou todas elas vertendo-me,
preciso aprender a floresta inteira, mas não preciso ser aceito,
sou bicho nascido para metades, sou feito mesmo por essas incompletudes,
sou parvo de civilizações e muitos talheres,
me descaso de temporalidades,
e os vícios,
Ora, o tudo são os vícios, mas não sou lógico nem advogo,
sou assim causado, mas não tenho causas,
às vezes conto causos, causos são mais justos que causas.
As causas mudam com o tempo, as coisas mudam.
Mas continuo contando causos.
Queria que todos soubessem o quanto me sinto senhor de mim mesmo,
O quanto sou senhor de mim.
Não soubessem, mas respeito de roceiro velho, respeito de benzedeira velha,
Respeito de preto e preta velhos, que eu sou, pois muito meu,
e água demais também mata a planta, zelo demais cansa a menina,
cansa o amor – fruta madura não se colhe pra depois,
fruto concluído não tem outro depois que não seja o apodrecimento,
é lei da vida.
Previsão do amanhã nunca vi um bicho outro que medisse,
nem há rio na curva das geraes que queira antes se salgar,
rio se segue sem adivinhações, segue por movimento, segue doce
porque água não tem dúvida.
É tanta coisa a ser escondida,
e d’outro lado uma vontade-correnteza desencobridora,
De todos os bois que me sou, carrego marcado a ferro quente a transparência labial,
a transparência de dois olhos pequenos e úmidos que não escondem
que não mentem.
O mundo é feito de muitos filhos errantes e caminhos errados,
pelo pasto mil trilhas sobrepostas ao aleatório,
mas o gado sempre vai ao cocho buscar o sal que lhe purifica a carne,
o gado sempre vai ao poço beber água,
e não há caminho errado – errado é não caminhar.
Paciência ao lavrador, paciência ao irmão mais velho,
pousa os olhos, recebe a mãe,
- acho que já nasci gritando à força,
agradece a mãe e lhe pede perdão por tê-la rasgado logo no teu primeiro ato de vida.
Perdão é palavra bonita, bonito o gesto, me dá vontade de lágrimas.
Mas já não há compartimento de...

Guardar silêncio pro sempre
resolveria esses homens e essas mulheres,
mas não posso, não podem, somos o nosso poder de palavra.
Não me repare o senhor, ando assim porque me pesam valores
o peso da sola dos valores e de meus cabelos desregrados,
se eu fosse capaz do silêncio de meus cabelos,
capaz apenas.
Os ventos se batem em redemoinhos e levantam a poeira
[porteira range,
pretendo ocupar espaços vazios.
Um dia na infância, quando eu ainda me entendia com meus silêncios
tive o ímpeto de abrir a cristaleira da sala,
pegar as taças, as xícaras, as galinhas coloridas
e
todas as
invenções fabricadas sem uso, sem pra quê,
e atirá-las ao chão, contra a parede,
apreciar o estilhaçar daqueles objetos. Foi o que me ocorreu,
se alguma coisa pode se quebrar,
ela não se cumpre inteira enquanto não se quebra,
até mesmo os anjos de vidro,
quis atirá-los simplesmente, vê-los depois de tantos anos parados sobre o móvel
se partirem - o deixar de ser das coisas.
Hoje penso nisso sem clareza, pois pássaros me desabitaram.
Hoje penso que aqueles seres de vidro e cristal
estarão ainda parados
se aperfeiçoando da própria inércia enquanto eu morro
todos os dias, enquanto me parto todos os dias
e
sinto o peso da inércia que eles amam
me coisificar.
Sentinela
Velo meu impulso, minha necessidade existencial
de
correr apenas, como quem voa só
pela intenção voa com olhos, ama a amizade dos pássaros,
ah!... era tão bonita aquela fazenda velha,
tão tristes as famílias de pedra, tão sério Pedro,
tudo quanto há um dia se cansa.
Como a casa velha tombou não por velhice propriamente,
nem tampouco pelo vento ou
as chuvas de pedra e flor que lhe pesaram, nem os ninhos que o telhado abrigava,
não foram os tijolos e também não foram os cupins.
A viga triste, uma viga triste e pisada por lagartos
que se cansou um dia,
cansou e não teve medo ou raiva ao se abandonar,
apenas se cansou e cedeu, deixou de sustentar. Daí em diante
a casa mesma que por séculos abrigou
a família e atentou aos sermões do pai de barbas grandes
quis ver a própria ruína, como quando eu era menino e me dava com os silêncios,
depois daquela viga triste que cansou,
A casa velha quis se concluir deixando de ser,
contemplou o próprio fim no espetáculo dos degredos.

Foi só o tempo exasperando a paciência das coisas.

Sentinela,
Arrisquei estradas enganosas, amores datados.
Lembro de meu lugar à mesa,
das febres que mamãe me curou, um verso de oração perdida,
lembro-me muito bem do amor em tudo se instalando,
que quero ir sempre, que quero chegar
sempre.
Sei que de algum modo,
rumamos mil lugares e não lugares
que não são mais que um meio, um momento
um enquanto eu não volto pra casa.
Da mesma forma que o gado dá mil voltas nos extensos pastos
sem cercado e volta ao cocho,
volta ao poço.
Por mais valente que eu seja,
sei que não sou mais que um boi vadio errante que demora mais magro
o seu retorno.
Fosso de costumes, quero reinventar as tradições
pra não ter que me submeter aos erros continuados,
mas quero ser amado,
Apesar de meus cabelos desregrados,
apesar de minha barba lenta,
quero ser amado não pelos caprichos, não pelos detalhes,
quero ser amado pelo que em mim é bruto, pela escolha que ninguém entende,
quero ser amado pela diferença em mim incorrigível,
quero amar e ser amado apenas,
por todas as loucuras que fiz e não nego, não me arrependo,
não me envergonho.
Quero ser amado
porque amo mesmo quando estou de barba e não escondo o choro
que corre inevitável do meu compartimento de lágrimas
rompidas.
Quero ser amado porque erro
e continuo querendo ser amado depois de errar,
continuo amando sem a pretensão de medir o que é incontável.
Quero ser amado por querer de tudo enfim
apenas o amor que dou e que recebo,
reinvento tradições
e
reinvento a comunhão.
Quero amar,
quero ser amado.
Sentinela.

Dedicatória pronta

A linguagem não nos separa
nem nos une.

Reconhecer que se escreve mais por necessidade
que por inspiração
é quase poético.

Fechamos portas e abrimos dicionários,
sem sombra não se escrevem livros
não se guardam amores.

Ter que dizer
é diferente de pintar quadros.

Estatuto Velho

Os olhos estão viciados,
palavras; fáceis presas, rélis vício.
Ficaram ficamos
tão habituados ao que não somos
que nos viciamos: TUDO!
pelos excessos,
As vozes?... coitadas,
vulgo, chulo maltratar,
por nós e calos vitimadas,
viciadas.

Tempo livre?
Não há. Há penas nos badalos dos relógios
que contam nosso tempo vivo,
que encurtam a distância que nos separa da nossa morte.
Como se morrer fosse o único remédio para o tempo.

Pobre condição humana,
subjugados pelas verdades de ontem
e os cassetetes na volta do trabalho e o trabalho na hora do descanso
e o descanso na hora da morte.

Não há glória no passado

[nostalgia é uma cicatriz na alma]

não há presentes no presente. O futuro é uma mentira metafísica.
O mais perto que já cheguei do meu destino
foi enquanto dormia.

Memórias de uma puta triste

Ainda era muito menina quando me apaixonei pelo primeiro que chegou como quem vem do florista, era bonito e bem dotado. Ele doeu em mim muitos começos, mas ai, foi aí que descobri, eu gostava mesmo de sangrar, de ser marcada. Só não sabia que o amor pode não ter passado ou memória. Ilusão de florista que se descuida outonal. Entendi depois que o amor é um caduco com o vigor dos vinte anos ou uma criança com o tesão adolescente. É mesmo um impulso que só é sincero até o momento de gozar. Eu não gostava de sangrar e ser marcada, a verdade é que eu só gostava se sangrasse e fosse marcada. Mas não acho que o amor seja só isso. A gente guarda ele pra noite, igual as pedras guardam o sol do dia. Bobagem dizer que a temperatura estável do corpo seja de trinta e sete graus, o corpo guarda em si o calor dos amantes bem ou mal amados. É assim reconheço as pessoas, através da história que seus corpos me contam. Se se desgastaram ou ficaram frios e ensimesmados, se ardem febris e são violentos, se querem ficar ou estão só de passagem. E sei ao primeiro toque se será um homem que meu corpo vai guardar ou esquecer. E há tantos desses seguindo meus passos na rua de calçamento, me olhando famintos de trás de balcões, vitrines, guichês. Mas é certo que depois dos segundos e terceiros que vieram embriagados, desvalidos, aleijados, milionários, domesticados não importa! Depois de tantos, lembrados e esquecidos, é certo que não passei um dia sequer sem me lembrar de um específico, dos que chegam do nada, não me deitei com um outro homem sem que o comparasse com aquele especificamente. Comparo inevitavelmente os movimentos e a maneira com que me olham e o que dizem e o que calam. Se dormem comigo na primeira noite ou saem furtivos. Se me puxam os cabelos e contemplam o próprio membro me penetrando. Às vezes penso que o fato de ele não precisar ser o primeiro me fascina. Tive outros homens diante dele, só pra provocar nele qualquer ira, despertar na sua solidão a mesma paixão voraz com que ele me comia. Porque de primeiro me assustei com a idéia de não poder me despertencer e me dar a qualquer um por uma necessidade obstinada de ser só dele. Mas ele era cigano. Era do mundo. De todas as putas, madames, dondocas e carolas. Me perturbou pra sempre. Se me masturbo alguma vez hoje em dia, é sempre inspirada nele. Me esfregar com outros homens sem amá-los ainda que de um jeito efêmero, só pra testá-lo e ver que ele me olhava em silêncio, só serviu pra despertar a minha própria ira de não ser puta nem donzela, de não ser minha, nem dele nem de outro qualquer e me entreguei a ele com raiva. Horas à fio consumindo toda minha raiva de quatro, no seu colo, nas minhas unhas enterradas nele, em cada mordida selvagem. Me arrancando os gemidos, sussuros e gritos mais animais enquanto me olhava como quem diz, eu não quero ser o maior nem o primeiro, porque você já é minha, eu sei quando calar e quando te dizer que quero te ver gozar. E era exatamente assim que acontecia, e eu caía exausta livre de qualquer culpa, de qualquer raiva, em paz com aquela sensação de pertencida a qual eu tanto resistira. Então ele se virou, levantou, me olhou muito sério e me disse vestido, você não vale nada. Foi embora sem dizer mais. Foi embora sem voltar mais. E eu o comparo com todos os outros desde então. E não há uma noite que eu não pense nele enquanto me entrego a outros homens que nunca me terão da maneira que ele me tem.

boca de palavras

A palavra
não é maior do que dizê-la.
As minhas são minhas porque eu sou egoísta,
nem adianta me dizer que saudade
é maior que a minha boca
ou meu dizer. Eu sou egoísta e as palavras são minhas.
Se eu repito e desgasto as pobres
mais minhas elas passam a ser,
como filhas que eu crio jogadas como quero.

Eu trago as palavras numa sacola,
amasso todas elas e jogo nos olhos das crianças e dos
cachorros. Elas tentam
impessoalizar a boca. Mas a boca é minhas e grita:

- eu.

a boca é minha e grita:

- fogo.

Grita outras bocas de palavras sem boca.
Minha boca tem fome de muitas bocas.
Minha boca significa sem significante.
É uma sacola de palavras furadas e desejos carnais. Minha boca,
é uma sacola furada de palavras carnais. Anuncia fechada
a quarta-feira de cinzas de cada carnaval. Minha boca,
mastiga as palavras de dentro pra fora. Minha boca,
na falta de outra, se beija, se chupa, se mastiga,
se engole e se cospe só por distração. Minha boca,
mordeu a maçã há muito tempo atrás quando ainda se faziam homens de barro
e mulheres da costela de homens de barro. Foi sim,
Minha boca que mordeu a maçã e aquela moça nua naquele jardim bonito que não lembro o nome.

Faz muito tempo.

Faz muito tempo
Minha boca está cheia de prazeres e pecados,
de promessas de pedaços, cheia de putas, de pedidos.
Minha boca,
quer morder maçãs, quer morder meninas, quer continuar pecando,
quer partir copos corações. Minha boca,
quer comer a própria fome e repetir o prato.

incabível

O tempo não coube nas mãos.
Escorreu como água escorre.
Ficaram as ausências sublimadas
enquanto eu bebia,
e o corpo cuidou de guardar em si as impressões
de cada noite acompanhado
com ou sem amor.
Coisas que dizem mais que por bem ou mal,
coisas que dizem.
Eu queria escolher sem renunciar,
mas também não coube no tempo,
nem coube na liberdade a idéia de me prender
porque eu não cheguei a conseguir.
E fiquei preso à minha liberdade portuária.
A minha verdade
é que o amor jamais chegou a caber no tempo.
E o tempo das cartas, das fotografias, da casa velha, do trem urbano, até mesmo dos velhos segredos... passou. Coisas que ainda existem,
que podemos revisitar, mas que não nos alcançam mais,
Coisas que se encontram com a fumaça da ausência,
que ultrapassam sua condição passada quando se liquefazem na lágrima presente.
Chorar é doer o interrompido.
O amor não coube no tempo,
escorreu como água escorre e continua escorrendo.

Poema de Subversão

Luta homem,
Luta
E
Morre
Lutando.
Liberta o homem
homem,
Liberta-se a si mesmo.
Desagrilhoa tuas palavras:
Escritas
e
Faladas.
Não teme o policial homem,
Ele não é mais que a fantasia de ser.
Transgride homem,
A lei que te aprisiona.
Burla
A constituição fecal
Homem,
Que nem deus te governa!
Mata homem,
Que se não mata
Morre,
De tiro e de fome.
Ama tua morte homem!
E não te submete ao medo
Porque a liberdade é maior
Que o banco.
Rouba homem,
Que a pior prisão não tem barriga.
Vomita homem,
Mas não engole o lixo deles.
Rasga tua roupa homem,
E ateia fogo ao luxo deles.
Se entorpece homem,
Com tudo que lhe é proibido,
Pois a natureza ignora licitações.
Larga tua cruz pesada homem,
Que Jesus foi só mais um filho de José.
Vira menino homem,
Que pro mundo só és um homem
De comprar, prender e vacinar.
Vira menino homem,
Depois luta
e
morre se preciso,
mas morre menino homem,
Que a liberdade é mãe eterna
Das mulheres doces e dos homens de sal
que sonharam suas meninices
debaixo do temporal.

500 Anos de Aliteração em "Au"

Oh que bem ou mal
Num primeiro de Abril
Hei-de desencobrir a encoberta Portugal.

Reúno minha esquadra
Com favela, fumo, furto e fornicação legal
Nem que seja eu o capitão e tripulante
Solitário de minha nau.

Que não me impeçam o calor
Nem sequer um temporal,
Ah pois, eu vou descobrir o Portugal.

Eu vou que vou pagando de Cabral,
Mas não é uma questão imperialista
Nem tampouco é soberba naval,
É que porra! - Tribalização Capital.

Levo comigo um índio tradutor,
Que fala inglês, tupi, brasileirês e português de Portugal.
Que é pra mode eu lhes naturalizar
De minha empreitada o sentido anti-Colonial.

No meio do caminho
Cruzamos Sir Francis Drake uns pirata e tal,
- in the name of Queen Sir Drake,
why don't you suck my pau?
Lhe inquiriu o catequíndio euro-canibal.

Passamos putos pelo pirata paga-pau.
De cima do Equador o buraco é mais embaixo,
Como se debaixo do Equador qualquer buraco fosse buraco de enfiar o pau.
Porque foder latino-africano é que nem assar boi no sal.

Velho mundo velho cabedal,
Levo comigo frevo, ciranda, côco, baião, maracatu
E para plantar-te um imenso bananal!
Da binária pobreza sobrou uma pompa real
E uma posta magra de bacalhau.

Vira-num-vira-vai-virar-já-virou uma imensa Portugal,
Mas na sesmaria sem lei tem de tudo,
Sertão, rio fundo, mato virgem, mangue & town.

De que banda-oceano não difere-se o mal,
Vai-se à padaria, farmácia e lê-se o mesmo jornal.

Só que com as "vergonhas de fora" eles não entendem nosso no sense libertino tropical.

Soneto Desterrado

Soprou as cinzas vento velho
passei sem passado qual passante austero
Saraivando nobre leve entorno ao Hélio,
secos sonhos eu ainda ainda espero.

Esquecimento e concreto férreo
Inverossímil a força bruta do mistério
Solidificado sem terraço ficou meu amor térreo
Transparecido, alvo, um poema estéril.

O fim da vida – não o final – é sem cornaço,
Não fere ou fura: escleral, escura.
Gênese de todo minério e metal; primeiro abraço.

Lirista louco e desgraçado de mazela a cura
Descobre fronteiriço à morte o embaraço
De só quando desterrado encontrar o que procura.

Passageiro

O maior rio não é o mais veloz,
é o mais paciente.
Naquela tarde sem feira virei pedra no rio,
tucano me cagou lá do alto
enquanto folhas submersas acariciavam meus pés sinceros.
Se a ponte velha cair ou não o rio segue
liberdade.

Fui de lá por mim com essas impressões de ser
por trás dos olhos.

Acho que dali só muito tempo depois
aprendi o que o rio me ensinou.
E fiquei assim... Amando amor de rio, de passagem, sem pressa
porque o destino une sem premeditar.
Acumulei muitas pedrinhas no meu leito raso de mistérios simples.

Conchas e amores às minhas margens - minhas correntezas apaixonadas,
flores e amores tudo sobre o barro.
O vento, sinto-o junto à minha superfície acompanhada de si mesma.
Coleciono minhas sensações de liberdades,
beijos sinceros [minha saudade tátil]. Eu sou assim,
passageiro entre coisas,
é a minha sina não ficar, minha bênção e minha pena.

a saudade da maré

Tão longe. Tão perto.
Amanhã?
- Incerto. Madrugo
deserto desperto,
fechado e fachada
aberto.
Nulo, pulo, nada,
abrigo de mãos espalmadas
fundindo eu...

Aperto, há perto
Há! É certo que há
na ausência franca
e pautada do papel: inerte,
manchado por um nome: Alberto ou
qualquer letra desencontrada
do ainda não inventado Alfabeto
de palavras
sem-teto,
sem veto.

Eu sou ao mesmo tempo
o que o meu avô foi - um vir a ser de neto - essa mistura de tempo e árvores,
plantadas ou genealógicas.

Tão longe tão perto
eu de mim mesmo,
meu grande amor
é uma maré
tão certa quanto imprevista,
tão esperada que surpreende.
Existente mas esquecida,
suave a tua brisa e docemente corrosiva.
Mar é mistério
com ou sem tempestade.
É lonjura no perto tocável.

Saudade de inverter aquela palavra
que eu nunca soube nem consegui,
saudade é o mar alto e a praia branca,
é areia fina e grossa fundura.

Fogo de morro acima e água de morro abaixo
nada não segura.

desconexões neuro-globais

Chego suado do futebol.

- ah o futebol, esse instinto que nasce com a gente, tipo o samba. Expressa a nossa subjetividade.

E por mais que eu goste de banho quente, é fato, tenho que mudar a estação do chuveiro.

Estação do chuveiro?!

De inverno pra verão. Que loucura, o inverno e o verão dos chuveiros.
Normalmente eu teria cantado no banho imaginando como se o registro do chuveiro(que é a mesma coisa que a maçaneta da torneira)fosse o microfone.

Mas essa idéia de que podemos medir - e medimos - as épocas e estações da nossa vida de acordo com o chuveiro e a temperatura da água me distrai do meu pequeno festival de higienização.
Os banheiros são realmente lugares importantes na vida das pessoas.

É ridícula essa percepção e mesmo assim é válida. Porque se hoje em dia as estações são percebidas através do chuveiro que não bate mais com as datas, a culpa é do aquecimento global provocado principalmente à partir da segunda revolução industrial que faz o verão no meu chuveiro em pleno inverno de agosto. Papo de ECO-CAPITALISTA.

- eu não como eucalipto porra!

E se eu quisesse tratar o tema aquecimento global de uma maneira digamos...
Freudiana? Seis bilhões de pessoas querendo transar. Seis bilhões de pessoas se articulando, se mentindo, se matando, construindo casas, comprando carros, frequentando salões de beleza, fazendo plástica, fazendo artes plásticas, comendo batata frita, estudando filosofia, malhando(que é a mesma coisa que pagar pra trabalhar), comprando armas, usando drogas e tudo por SEXO!

[se você pega quatro celulares, dispõe eles em forma de cruz, um grão de milho no meio e faz uma ligação entre os quatro celulares: o milho estoura.]

sabendo então que os seis bilhões de sexopatas do mundo não transam sempre que querem, podemos inferir que eles se masturbam.
Pronto. Aquecimento global é uma questão sexual.

às vezes eu acho que o futebol é uma invenção melhor que a linguagem.
Assim como a língua expressa a mentalidade de um povo o futebol é. Só que com a língua você pode mentir. Como seria mentir no futebol? Talvez o Garrincha tenha mentido contra os suecos.

Fugindo à perspectiva artística e libertadora do futebol, Copa do Mundo 2014 brasil minúsculo, com s ou z?

A questão é: a mesma platéia que celebrou vuvuzelas e jabulanis na apartada África do Sul(e que pelo foi dito nas tv's e jornais, um verdadeiro sucesso)pretende agora se esbaldar nesse grande Éden legalize do mundo chamado Brasil.
Mas os mesmos jornais que noticiaram o sucesso da Copa na África tão progressistamente beneficiada por essa bênção concedida pelo primeiro mundo, estão preocupados com a favela da Rocinha. Favela, Rocinha, resistência, guerra e repressão, fico pensando se o Nem não é uma espécie de Antonio Conselheiro tristemente reprimido e fragmentado, alimentado pela violência do Estado. O problema do Brasil é que tudo que há de resistência nele hoje não se reconhece assim. É a merda da consciência de classe.

Quem vai fornecer as drogas pros gringos?

O conceito de alienação é bem simples: uma projeção mental sua que de algum modo passa a te submeter. Dois exemplos: dinheiro e deus.

Outdoors, desodorantes, novelas espíritas, auto-ajuda, como ganhar seu primeiro milhão, dez passos pára o sucesso, flores alucinógenas e a polícia.

- Quem é de esquerda aqui? Onde estão o bem e o mal?

à favor dos camelôs e dos mendigos e da pirataria fundiária. O morro tem só que lembrar pelo que luta, de Joãozinho bem-bem a Fernandinho Beira-mar alguma coisa se perdeu, que se fodam se são meros narco-capitalistas:

- qual a diferença entre uma farmácia e uma farmácia num beco?
- na farmácia você às vezes precisa de receita, na farmácia no beco você nunca precisa de receita.

Também tem o seguinte, etiqueta não dá onda e traficante não é sonegador. Será que a tão estimada Economia Global não reconhece as transações endoladas? Explodam os cães do governo, eu sempre odiei esses capachos filhos da puta! Até onde eles são o que são? O que eles são, e se são, são da farda pra fora ou da farda pra dentro?

Até hoje estamos sendo descobertos e colonizados e conquistando e reconquistando esse país rachado dos coronéis e colarinhos avarentos. É bem como dizia o Rasga-em-baixo:

- mal de urubu é achar que o boi tá morto.

Carta Engavetada

Não é uma questão de contradição. Nunca foi.
O fato é que eu vivi por muito tempo buscando o que há
entre o sim e o não que não fosse o talvez. Leva tempo até que se descubra que o sim, não é absolutamente a negação do não e vice-versa. Eu queria que você imaginasse como se o não fosse o nunca e o sim fosse o sempre, como se o não fosse o nada e o sim fosse o tudo. Esses dualismos que fazem nossas vidas quando colocados nas mãos dos por quês sem resposta exata.

O amor também é dialético meu bem...

Hoje em dia eu não ponho tanto ferro sobre as coisas que admiro. Sei agora que não pode-se exigir o exato esclarecimento de algo que é essencialmente: mistério.
Não há nada tão bonito quanto o que é inútil por falta de razão e inexato por não ser estático. O mundo é relativo, o relativo é relativo, a língua é entonação e o amor é um rio correnteza que não adivinha as próprias curvas.

Se a resposta foi sim, se a resposta foi não, o que importa é a sombra das palavras escondendo o sentimento irracional sobre si mesmas. Nada mais justo que a resposta seja sim e não ao mesmo tempo. Era só uma velha mania sobre nossas decisões de ser preciso e paralelo tudo o que viver. Não há o menor vestígio de problema ou contradição.

Hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã e é tão hoje quanto ontem era profundamente hoje no seu devido presente. A palavra hoje mais que o estar hoje é o perfeito sim e não sintetizado do tempo. Sustentamos nossa temporalidade com palavras, com linguagem. Fora do corpo, fora das palavras o tempo não é mais que uma sucessão de graus e fenômenos espacialmente sensíveis.

O amor também, dialético por existir sempre habitando em palavras e significantes transitórias. Daí a plenitude das mãos e o tato absoluto. O tato é a palavra vociferante dos corpos.

Me apego às palavras que me remetem ao sentimento inominável que só meu tato poderia saber de novo. O corpo também guarda suas memórias de calor e talho, memórias de prazer e dor.

Te peço teu sim e teu não porque do amor não se destilam apenas concordâncias.
Te escrevo mil cartas que nunca envio e que se perdem pelas frestas de filosofias desimportantes.

Não sei mandar beijos através de cartas engavetadas.




p.s.: Só a saudade é um conceito ilógico e absoluto.

interlúdio

Arranco e rasgo o que sem mais escrevo
O engasgo manco faz nem qual - não vejo,
Colhido espanto sorte azar de um trevo
Afronto ouvido(bazar)sem norte em branco.

Talhado o vento,
abraço a noite,
descuido os pés,
Mordido o bicho,
veneno sem cura,
palavra lavra.

Desminto entesto o fundo não mente
só sabe a sina deserto sem sol,
não se põe do mundo nem se da montanha,
faz curva simples onde não te amanheces.

O peixe esquece,
as pedras dormem,
rio se segue,
sombra é verdade,
canoeiro desce,
eu meus interlúdios.

de-Talhos

Um brinde às flores recusadas,
um brinde às cartas de amor rasgadas.
Brilham muitos olhos e estrelas
as taças borradas de batom celebram suas indiferenças,
celebram a postura ereta com que se mentem.
E mentem o quanto podem
só pra enganar os medos. Tolice,
mais cartas serão escritas, lidas e queimadas. As flores,
secarão e quem sabe pétalas secas serão guardadas
entre páginas de livros que não tornaremos a ler.

Um brinde aos corações partidos,
um brinde aos corações intactos que ainda se partirão.
Intenciono meu copo cheio na lembrança dos cancioneros bêbados,
dos poetas tortos e dos amores abortados.

Salvo se eu bastasse, então não seria trágico,
mas não me basto. Tragédias de deuses e homens nos comovem
e nos justificam os males. Somos feitos de detalhes,
amamos e odiamos por detalhes: como escolher rasgar ou não aquela fotografia. Como
abrir os olhos antes de o beijo acabar.

meu calmo relógio

Meu relógio é calmo por outras urgências,
a vida é preciosa fora do tempo
enquanto as formigas andam em fila
e você sustenta toda sua graça na ponta dos pés.

Hoje me sinto mais rio do que mar,
mais vento do que fogo.

Quando eu canto é como descarrilhar
minha saudade. Não sei se ainda quero ser herói,
música na curva de um rio,
saudade na curva de um rio,
um rio na curva de um rio, uma pedra.

Uma melodia que lhe faça dançar
um olhar que se esconde como pode por medo de gostar... já gostou.
Saudade é palavra atemporal,
deixa eu ter saudade de semana passada
que o meu calmo relógio tem outras urgências
e não cuida do tempo, pousa num beijo cristalizado.

É o segredo de um outro segredo.

Crônica de um poeta sem caneta e papel

Um dia
você resolve tomar uma cerveja na rua
sem combinar nada com ninguém.
Não que você não queira nenhuma companhia em especial(e você não quer),
simplesmente porque você não está aflito
e isso é quase raro. A caminhada até o bar, nessas condições(inexistentes),
é absolutamente triunfal - a calma pulmonar.

No bar
o lugar da calçada, a mesa menos extravagante,
o garçom é um senhor que me parece bem simpático mesmo não sendo e que me lembra um personagem garçom de um filme que fosse inspirado nos personagens de Márquez e que talvez só por isso me pareça simpático.

Peço-lhe a cerveja mais barata, que a meu ver não é a pior, sendo que eu não julgo
pelo preço.
Como não há nada combinado, não é tarde nem é cedo. A cerveja quando bebida assim
sem quando é definitivamente mais gostosa. O poder que você se confere a si mesmo
ao se independer uma noite, te torna notável para as pessoas,
ou por elas te acharem triste(o que é mais comum)
ou
por te acharem estranho, o que é diferente de triste. Estranho,
de certa forma é só o princípio de outros conceitos e concepções. Estranho,
pode ser atraente ou louco ou imprevisível, o que é diferente de triste. Estranho,
é o fato de eu me referir ao interlocutor como "você" e "eu" alternadamente e isso poder ser considerado romântico. Eu sou romântico comigo mesmo. Ou melhor, com você.

Ah! Eu me divirto.
Quantas conversas bebendo uma cervejinha comigo mesmo.

Mas o fato é que a maior parte das pessoas te acham triste por beber sozinho,
certamente porque você só pode estar na fossa ou ser um doido e por isso não tem amigos. Porque
para elas só esses motivos justificam um homem beber sozinho ou só esses motivos seriam suficientes para que elas bebessem sozinhas. E então eu penso:
o que falta às pessoas é elas serem românticas consigo mesmo.

Besteira...

fica parecendo auto-ajuda, auto-romantismo. Não são românticos nem com as mulheres,
tanto que muitas se assustam quando não riem por parecer cafona ou ridículo. Não que tenha que necessariamente haver algo de cafona ou ridículo no romântico, mas aí eu lembro da Bethânia recitando o poema das cartas de amor ridículas das quais falava
o Pessoa e já pouco me importa que eu seja ridículo e até beire a cafonisse
ou que eu cometa pequenos delitos aos olhos dos outros, porque eu me sinto mais Fernando
e tomo mais um gole de gelada enquanto engulo olhares subjetivos.

Depois eu digo:
- Fernando Pessoa está acima de contestação! E ele me deu licença
para ser ridículo. Obrigado a todos, eu sou ridículo. Digo isso sorrindo como um canastrão.

Agora suspiro e penso: parece realmente que as melhores idéias, os melhores poemas,
os maiores delírios da palavra estavam todos lá, não lembro se era uma sexta ou um sábado a noite, mas eu fui sozinho, confiante, triunfal,

o garçom, o bar, a cerveja gelada e barata estavam lá, a inspiração igual uma menina
brincando nos meus olhos
e era uma encruzilhada, um lugar de poder, as mulheres passavam perfumadas
e me olhavam nos olhos, eu era um forasteiro solitário talvez estranhamente convidativo, eu estava repleto de poesias mas era um poeta sem papel e sem caneta,
com pensamentos que rasuravam e se sobrepunham uns aos outros
enquanto olhava as mulheres passarem e o triste vendedor de rosas vermelhas. Então pensei que na verdade o vendedor de rosas vermelhas vende rosas sozinho,
eu bebo sozinho,
e o vendedor de rosas vermelhas é mais triste do que eu. Eu vejo isso.

Acho que de agora em diante eu vou levar uma tristeza de vendedor de rosas, uns papéis no bolso e um lápis apontado já
até a metade, principalmente quando eu for sem quando e as condições não forem mais
que a cerveja barata e gelada.

poema dos nomes dos poemas

bilhete ideal poema apaixonado

as coisas

Minha pátria para José Saramago alquimia nossa história:
Dexistência, (Maio) Aurelianos e Arcadios
para Nequinho perdido, desconsagem

O que Há: mulher passante o ilógico necessário
entreaberto(das portas)
dos erros predigo:

Arte de Amar
alguma casa
Zaqueu ficou entardecido sobre corpos e almas

o que tenho,

Santanejo Latino America coração remendado...

Augustos os anjos pequena oração madrigal, desabafo.
Descaminhos

se

Elemento. Pensei desinvenção
épico.

Sobre todas as coisas e uma só: momento.
Soneto de retalhos declaração

d
e
s
c
o
n
c
e
r
t
a
d
o


TIC


TAC

na veia desenhando com palavras,
poetar sentido me repito


poesia.

bilhete

Eu queria dizer que nunca tinha entendido desse jeito
e que agora toda vez que ouço eu penso nisso.
Eu colecionei descobertas sobre coisas abandonadas,
guardei palavras eu soprei a poeira e esperei...
eu ainda penso e é melhor do que nada.
Agosto é um mês muito marcado,
a verdade é que eu quis gritar aquela hora
depois eu quis sentar na calçada e esperar...
Deu vontade de loucuras.
Também quis falar sobre isso,
acho que a loucura é um impulso de loucura,
filha da linguagem e que se eu ficar louco um dia,
vai ser como embaralhar as palavras com erros de separação silábica.
Parece aquele poema do Ferreira, aquele mesmo...
já tá até com uma orelha na página,
genial porque dava vontade de demorar eterno.
Sincero. Não entendo, porque é sempre assim comigo.

ideal

Eu queria uma casa com uma rede,
queria ver um filme de amor,
queria ler um livro de amor.
Eu queria compor uma canção de amor,
eu queria cantar sem letra o lalala do amor.
Eu queria que passasse um rio atrás de casa,
eu queria todos os dias ler um poema novo sobre o amor.
Eu queria sentar na calçada e olhar o tempo derramado,
eu queria receber um telefonema inesperado,
eu queria conhecer os seus motivos,
eu queria visitar Gabo em Cuba,
eu queria ter escrito o Pátria Minha de Vinícius,
eu queria pôr o pé na estrada,
eu queria dar a volta ao mundo.
Eu queria um jogo de cordas,
eu queria um beijo na chuva e um beijo no escuro,
eu queria fazer um gol no Maracanã,
eu queria o lado negro da lua,
eu queria uma chuva de estrelas cadentes e nenhum pedido,
eu queria cantar meu não sei.
Eu queria escrever como quem desenha palavras,
eu queria a reforma agrária,
eu queria um ideal comum ao povo,
eu queria a revolução,
eu queria um bem querer de simples,
eu queria que amor fosse a primeira e a última palavra de cada dia,
eu queria uma casa com uma rede,
eu queria ver um filme de amor,
eu queria ler um livro de amor,
eu queria compor uma canção de amor.

poema apaixonado

Interessados estão os microbiologistas
em novas colônias de fungos e na atividade das saúvas atlânticas,
interessados estão os físicos, os curiosos
e o Vinícius na teoria das cordas.
Os Estados Unidos estão interessados no urânio do Irã,
os farmacêuticos pela gripe suína,
interessados estão os midiáticos, os empresários,
os fazendeiros e o jornal nas próximas eleições.
Eu estou é apaixonado por você menina,
desde o dia em que você surgiu com a flor no cabelo
e no meu coração virou menina-flor menina-sonho menina-riso.
E eu então aprendi a recitar Neruda em espanhol:
"puedo escribir los versos más tristes esta noche..."
pra que você achasse belo como num conto de amor sem ponto final,
tão apaixonado por você menina-vento
que eu choro quando ouço o Milton, que eu oro quando canto o Clube,
tão perdidamente apaixonado
que eu subiria o monte olimpo, eu lutava contra o dragão
lutava contra os deuses pra que o amor fosse eterno
e pra que a beleza tivesse o teu nome marcado à fogo e trovão
na celebração dos banquetes, das bacantes, dos dionísios com D minúsculo.
E então quando mais tarde os filósofos falassem do belo
não falariam mais que do teu verbo de ser, ao dormir, ao comer e ao cantar.
E os poetas embriagados morreriam do mal da fome dos versos perdidos
depois de te terem visto uma única vez, um único segundo,
a própria poesia ia aflita em ti fundir-se pra ser assim mais pura!
Mulher-ave causadora de todas as minhas sandices e todos os meus desvarios.
Eu depois de ti,
cuidava apenas de guardar tudo que é triste e chora de tristeza,
eu ia até o jardim mais simplório
colhia uma Tulipa ou uma Violeta e lhe dava
para que colocasses nos teus cabelos atrás da orelha
e meu poema fizesse então algum sentido
por ser apaixonado e não meramente interessado/interessante.

As coisas

Vasos rachados são curiosas criaturas.
O menino da lua um dia me disse:
- As borboletas são flores que aprenderam a voar.
Somos amigos de filosofias jardineiras.
Me apoquentei de sossegos menores.
Nas tenras manhãs de julho desperto propício a lagartixices.
Um vaso com avencas faz qualquer lembrança de caramujo.
Minhas alegrias são crianças sem memórias.
A genialidade das coisas simplicia silencidades.

Minha Pátria

Nos campos de minha terra,
rola o suor
rola o sangue
petrificam-se os sonhos
e a terra cala.
Nos campos de minha terra,
não há glória nem frustração.
Todos já nascem morrendo de desnutrição.
São todas caladas as vozes,
calado o coração.
Não reconhecem qualquer rei,
nos campos de minha terra,
Coronel é sinhô e não há possível outra lei.
Nos campos de minha terra,
são mãos de deus que plantam e colhem,
mãos calejadas, sem olhos e sem ouvidos
que me alimentam poesias tristes,
ideais antigos... tão antigos quanto a terra funda.
Nos campos de minha terra,
os guerreiros não bebem cerveja.
Em noites sem lua quando se lembram o esquecimento
dos antigos, acendem fogueiras e dançam
a dança do seu passado fora do tempo.
Nos campos de minha terra,
há homens e mulheres apaixonados que morrem e matam
todos os dias por liberdade.
Nos campos de minha terra,
a sentença da vida é o sofrimento
e um amargo sentimento órfão dessa história de olhos abertos,
de feridas abertas, de veias abertas.
Nos campos de minha terra,
a vida não é televisionada e a poeira dos homens
transcende os mapas, as cercas e os tratados.
Nos campos de minha terra,
a mais profunda fantasia chora soluçando feito uma criança acuada,
solidão labial que herdamos junto com um florão do "novo mundo"
que não é nem nunca foi nosso, com um lábaro ostentoso e estrelado
de catequizadores jesuítas vestidos de negro,
sedentos de sangue, legitimados por um deus branco de barbas brancas.
Espelhar nossas histórias é um erro histórico,
somos desiguais.

Nos campos de minha terra,
não vamos nos curvar, não seremos dominados,
vivemos e fazemos a nossa própria história com o sangue e o suor latinos.
Nos campos de minha terra,
rasgada em pedaços ainda resiste a nossa identidade violada.
Nos campos de minha terra,
quero beber ainda a liberdade primaveril dos sonhos que não envelhecem,
e quando eu exalar o hálito de meu último suspiro suspenso no ar...
que me enterrem nos campos enfim livres de minha terra,
mas digam que eu sempre amei o mar.

Para José Saramago


Alguns homens, não qualquer homem,
raros, raríssimos são
e parece que foram sempre velhos e sábios,
sempre
tristes e belos.
José
mais um deles, fez da língua a nós comum
uma importância antes ignorada.
Tripulante solitário
de sua própria humilde nau,
falou sem travessões e não anunciou seus personagens
- o mar é impessoal -
e pois,
navegou José em busca da ilha desconhecida,
da vida fora dos mapas
porque de alguma forma pareciam todos os outros estarem cegos.
Avistou a terra, seguro porto em Lanzarote,
constava nos mapas como terra de Espanha,
aportou.
Não sendo desconhecida dos homens
contentou-se José por ser Pacífica.
Plantou sua casa, sua vida, seus livros
nesse pedaço firme em meio ao mar incerto.
Plantou às quatro da tarde
tendo o amor como Pilar.
José resiste aos ventos de sua ilha
que por mais conhecida
guarda ainda mil mistérios,
José resiste ao tempo porque é um homem raro
e caminha,
não há mal em olhar por vezes para trás,
na ilha nunca inteiramente explorada de José,
nunca inteiramente conhecida pé a pé,
há ventos por todos os lados
e uma bela triste calmaria inspirada
nos seus olhos úmidos translúcidos aos óculos,
ao tempo, à morte.




foto de Sebastião Salgado

Alquimia

Da varanda,
me vi eu - velho -
mirando o infinito.
O não fim: som de vidro parado.
Me vejo de fora de mim
[sem olhos]
sentado numa cadeira de balanço
ruminando a minha alquímica intenção
de cristalizar os sonhos, os beijos, as juras,
os amores;
eu querendo romper a fronteira que separa
o passado do futuro do presente. Descobrir
a poção que anula o tempo.
Eu velho-novo-velho inventando um cenário
que demora a velocidade do som,
um pedido que flutua à ausência de espaço.

Eu me mirando ao mirar o que infinito
só cabe no pouquinho de alma
que o olho derrama quando nada quer
além da intenção.
Eu absorto
contemplativo por todas as minhas vidas
escritas em livros de nuvens
e topos de morros solitudes,
eu com saudades sinceras
de cada pedaço que me encheu,
que me esvaziou,
eu amando o mistério
de não saber jamais.

Nossa história

Antes
eram os pais dos meus pais,
os pais dos pais dos meus pais
se continuando
se descarrilhando
na linha
do
Tempo. Se embebedando das loucuras
históricas - pra suportá-las.

Não passa de consequência,
enquanto não for causa.
Não é visível,
se não for plural.
Não basta o prazer
se não for livre.

Há muita história
oculta na soberba dos dominadores,
exposta, na miséria dos dominados.
De todas as formas mataram
os nossos pais,
os pais dos pais dos nossos pais,
como hoje nos matam.

Matam a nossa história
derrotada.
Roubam nossa identidade
e
nos identificam
em códigos de barra.

Passo por um antiquario
repleto de valores hipócritas,
Móveis de nobres
madeiras extintas, onde estáteis senhores caducos
guardam consigo grandes livros empoeirados
debaixo de suas capas pretas - fantasias
do poder.

Mas a história
não é um museu de objetos inanimados.
É o movimento
de muitos homens e mulheres,
governados por idéias
e loucuras. Pela fome e
uma vontade intransigente de ser.

A história
é o mais inconsequente dos atos
pela liberdade.

Um povo sem história
é um povo sem identidade.

Dexistência

O incompleto que sou
é a minha matéria.
O movimento da língua que diz:
- ainda
[me realiza,
e eu sou todos os meus não's
feitos de sombra.
Alheiamento
pela busca de identidade.
Quero a liberdade de saber negar
e nego! Por liberdade.
O Absurdo
é cheio de vãos
e furos e frestas.

A linha do tempo
enrolou,
deu nó, arrebentou, pegou fogo e
no meio da praça,
inventou o círculo,
morreu de velha.

Neguei a algema de meus relógios
pelo meu pulso.
Sem quando é o que eu quero
pela memória viva
das costas da história.

Sou mais o que quis
do que o que fui,
minha mais nobre substância
não chegou a ter forma,
realizou-se à razão do fogo
e pois, não se pensou.
De fato,
estou mais em minha sombra.
Onde sou sem me pensar.
Dormi à lembrança de muitas experiências.
O delírio sem dono é minha pouca verdade.

Aurelianos e Arcadios

Fugido pra lugar nenhum
é assim que não começa
um século já começado.
Delirado de mil descobertas.
Guerrea, guerrea, guerrea,
tanto,
que nem sabe mais falar - a não ser
à força d'armas - ou sabe? Ah sabem... se sabem!
Mas só se ouvem tiros,
as palavras não acabam, as balas sim.
Talvez quando quem sabe a guerra acabe
voltem a falar - não em armas, falar de nada que não seja silêncio.
Irmão fugido também, pra lugar nenhum.
Colossal era este quando partiu onde a memória ainda alcança visão.
Nada d'outro tinha, nem o olhar entrante,
nem o delírio das invenções.
Só as primárias humanas necessidades.
Tinha era uma falta! De raíz, de identidade.
Era isso.
Tinha era uma falta! E nada mais.
Tanta força bruta sem causa.
Natureza.
Feroz à toa.

E nos acampamentos
ama sem amor as meninas noturnas
que lhe oferecem, não é deus, mas é Coronel.
Ama-as sem amor e sem palavras,
mais morto do que vivo, é disso lhe fazem respeito.
Carrega consigo alojadas quantas balas,
cicatrizadas quantas facas frias.

Todos esquecidos.
Uns pela guerra, outros pelo mundo,
pelos mares tantos, debaixo de mil tatuagens
gravadas sem razão, como fossem mapas de todas as passagens
já passadas.
Um,
olhar entrante
inventiva curiosidade.
Outro,
olhar de bicho
viajante sem destino adotado dos ciganos.

E depois de depois da guerra
a guerra não acabou. Envelheceu,
como eles que não morreram.

Aureliano, da alquimia
fez peixinhos de ouro por distração,
porque falar... não falou.
Um dia enlouqueceu e por pena
o amarraram ao carvalho, e pois falou,
ao morto que ele mesmo matou, Prudêncio Aguilar.
Falou por perdão que quis.
Queimado de sol, mofado por dez anos de chuvas.
Lá ficou, mesmo quando o soltaram.
Miserável.

Arcadio muito soube e muito viu.
Muitas gozou,
mortes e mulheres.
Arcadio nada soube e nada viu.
Incestuoso como o mundo inteiro
visceral sem poesia. Não sonhou,
depois do amor da jovem cigana.
Seguiu apenas.

Lembram-se os dois da vez primeira
a ver, tocar o gelo - o que queima frio.
Das histórias de Melquíades,
dos tapetes voadores e a sentença imantada:
"As coisas têm vida própria."

Aurelianos e Arcadios
irmãos de solidão que se misturam,
misturaram, entre os tantos filhos, netos,
Segundos e Terceiros todos primários
viventes nessa terra inventada
pela fantasia de quem aguenta
o que real pesa bem mais que o ar.

Entre Odair José e a Subversão


A indústria da cultura(termo frankfurtiano), tem a incrível capacidade de absorver todo tipo de valores: morais, éticos, culturais e artísticos, destituindo-lhes de sua essência prima: a subjetividade criativa, a subversão, a negação da ideologia afirmativa tão defendida pela unificadora ciência moderna e de meio século pra cá defendida também pela grande mídia. Começo dessa maneira o artigo, para que possa partir em defesa de sujeitos muitas vezes menosprezados e ridicularizados pelo mal juízo que deles fazemos sem sequer nos permitirmos uma prévia reflexão.
Odair José, cantor popular(parece que não sabemos mais definir o que é e o que não é popular quando se trata de música) brasileiro, é mais que o sujeito, a ideologia que defenderei nessas pretensas linhas. Não nego que eu também o enxergava como mero "brega-star" de rimas e acordes fáceis até o momento em que me cobrei procurar saber mais. Por isso é compreensível a surpresa primeira de quem se depara com o título deste artigo, mas previno-o leitor, não duvide do mesmo.
Durante a ditadura, teve início uma campanha do controle de natalidade que distribuía pílulas anticoncepcionais para a população. Foi aí então que Odair José compôs ingenuamente ou não a música "Uma Vida Só", que tem por famoso o refrão "pare de tomar a pílula porque ela não deixa nosso filho nascer", a música foi censurada.
A subversão de Odair José era além de tudo visionária, no começo da década de 70 ele compõe a música "Deixe essa vergonha de Lado" que conta a história de amor entre um rapaz e uma empregada doméstica que se envergonhava da própria condição, nessa época a profissão de doméstica não era reconhecida ou legalizada. Pouco tempo depois isso mudou, sendo incorporada gradativamente com acréscimos de direitos e benefícios. A música lhe rendeu o apelido de "o Terror das domésticas".
Prosseguindo na onda subversiva e visionária de Odair José não poderia me esquecer da célebre música "Vou tirar você desse lugar". Ora, compor uma música na qual ele revela a paixão por uma prostituta em plena ditadura, sem contar o natural conservadorismo moralista de uma sociedade hipócritamente Cristã, não era pouco. Somando-se a essas composições algumas outras nas quais ele fala abertamente de sexualidade e da falsa necessidade de estar legalmente casado para a realização do amor, ele gera uma grande polêmica e é excomungado pela Igreja Católica.
Em 1979 ele grava o seu disco de menor vendagem e ao mesmo tempo de maior originalidade e sofisticação, a ópera-rock "O Filho de José e Maria". Vale à pena ouvir e descobrir o lado rock'n roll de Odair José.
As artes em geral, assim como toda forma de expressão da cultura de uma sociedade, devem assumir seu caráter mais puro e essencial de criação que na maior parte das vezes não corresponderá aos valores impostos por essa ditadura de ideologias em que vivemos, em que tudo que é bom e bonito deve estar na prateleira. É necessária a superação desses valores através da subjetivação de indivíduos que buscam incessantemente a liberdade mais plena do homem. Seja subversivo, não subserviente! Se a nossa expressão não representar uma ruptura com tudo o que está, ela não passará de mera legitimação desse sistema regulador de idéias e pensamentos. E para tanto, todas as formas de expressão merecem devida atenção, pois não é único o caminho para a transformação efetiva a nossa volta. A revolução precisa ser atuante em todas as esferas sociais para ser de fato, revolução. Cabe a nós encontrarmos os nossos muitos caminhos e reconhecermos o valor dos caminhos alheios nesse mesmo propósito, ainda que não combinado. Defendo o marginal, o mambembe debaixo da ponte, defendo o subversivo, o contestador, o que diz não! Abraço as ideologias e o seu movimento-fruto, pixado no muro, nas línguas e nas mãos que clamam e que gritam! Todos os estilos e esforços pela liberdade! Afinal de contas companheiro, a subversão também pode ser brega.

Para Nequinho

Nequim deslendo
por tortas linhas
sobre o não chegar
[comeu formigas de olhos tristes]
Em triz teceu olhar!

Roda moínho
canta o molhado
mói sem sozinho
pisa o pé pára parado.

Do olho mundo
quintal sem fundo
pra lá dessas Geraes...
Curral de casa e pó de poeira,
pedra por pedra um só cochilar.
Reticenciado
menino novo
sombra miúda
amanhecido de esperar.

Nequim de asas
(casulo casca)
mexericas no pomar.

perdido

Coitado,
Lá vai ele.
Parece bêbado,
a perna não sei, jeito de quem
não acredita na firmeza do chão
ou
do próximo passo.
Mas vai,
não deixa de ir;
talvez tenha planos mais pesados
que o jornal velho - não censurado,
não lido - .

Pena,
não dessa de sentir,
pena mesmo, de algum bicho que voa
ou
que quase voa. Pena,
não do outro que vai sem saber,
pena dessas, de escrever as próprias penas
cumpridas em liberdade condicional;
sem juíz nem advogado,
sem carrasco nem defensor;
repleto de testemunhas desacordadas.

Ah!...Era tão evidente o meu crime!
Daí o passo perdido da história,
pesar essa sensação de estar: perdido.
Danem-se as balanças,
Danem-se como eu me dano, danem-se mais
que a vida não se pesa a não ser nos olhos
e nas mãos; nas vozes...
Dane-se o pobre poema
está tudo perdido mesmo.

desconsagem

Palafras, ex padas,
palmarvas, Tonícius cantino
latano, ex curo, capicial inflerte abiscenium.
Mutança matádegas caíca cobranco eleitente.
Ex pinhos, pedraço sorvantes.
Antigualdo relésquito pelentro lunagem
colãnscito paríncete ovante desnarcolo catétre parmênfases.
desbaivos xavanco marval salgora pustagem blicapo.



*acho que se eu continuar nunca mais volto a falar como antes...
grande dúvida: será verdade ou possível falar o novo e ainda ser como antes?

O que Há

Há que se escrever
o já escrito. Reescrever. Repito.
Até não se saber mais nada.
E largar o pouso perdido
das palavras.

Escrever:

Lua,
por sensação de só.
Solidificar se à altura das
cores.

Há que se escrever
sobre o suspenso estar
observador.
Escrever, reescrever, subscrever,
circunscrever a própria
imprópria desleitura.
Consoante ao medo infante
[salvo todos os piratas]
a abertura delirante
de vogais efêmeras.

Há que se escrever
o crime dos que não pagam,
dos que não pedem,
dos que não podem.

Há que se escrever
as cebolas choradas por décadas,
descascadas em versos,
temperadas na solidão
das facas; cegadas de vento,
acostumadas aos calos das mãos de Maria,
aos dedos atrofiados de Úrsula.

Há que se escrever
logo pela manhã, depois do café.
Escrever: noite
e seu negro manto escorregadio.

Há que se escrever
sem pensar
a libertação das vozes
carentes de substância,
recolher o som
e ouvi las.

Há o que há,
escrito
ou
ainda por ser.

mulher passante

Eu te diria
mulher passante,
do despertar alucinante
que me causas!
Mas, ai! Queria antes
uma pausa, de mil silêncios,
pra contemplar te fora do Tempo,
e descobrir palavras.
As que melhor lhe cabem,
nos braços belos,
aos ombros, cabelos caídos,
na tua pele perene... Ah mulher sem nome!
Que me olha e me crava
e depois vai embora com seu porte real,
de realeza selvagem; felina
ferina!

Te diria,
mulher passante,
se me olhasses nos olhos eternamente.
Te diria,
o que te digo nos olhos eternamente:
A linguagem corpórea animal,
que dispensa falar em palavras
o que só cabe nas mãos.
Te diria,
mulher passante,
porque já te fostes de mim,
dos meus olhos parados,
castanhos.

Te diria,
mulher passante,
todas as línguas dos homens
contidas no meu sonho presente,
e nenhuma delas seria certa,
não seria poesia,
que escorres dos lábios,
não te coraria por acender lhe
um breve fulgor crepitante
nas tuas faces perfeitas.
Só te diria,
mulher passante,
plenamente o que és ao invadir me
os olhos, o pensamento,
assim dessa maneira não dita,
desse sonho irrealizado.

Te digo,
mulher passante,
és um delírio! No meio do dia,
na boca da noite.

O ilógico necessário

Entre as coisas que podem levar um pensador ao desespero está o conhecimento de que o ilógico é necessário para o homem e de que do ilógico nasce muito de bom. Ele está tão firmemente implatado nas paixões, na linguagem, na religião e em geral em tudo aquilo que empresta valor à vida, que não se pode extraí lo sem com isso danificar irremediavelmente essas belas coisas. São somente os homens demasiadamente ingênuos que podem acreditar que a natureza do homem possa ser transformada em uma natureza puramente lógica; mas se houver graus de aproximação desse alvo, o que não haveria de se perder nesse caminho! Mesmo o homem mais racional precisa outra vez, de tempo em tempo, da natureza, isto é, de sua postura fundamental ilógica diante de todas as coisas.



trecho de A Gaia Ciência, de Nietzsche.

Entreaberto (das portas)

A porta
bateu ao vento.

A maçaneta da porta,
tinha rosto de gente,
mas com cara de maçaneta.

[antropomorfismo],
eu li no avesso a olho nu.

Agora,
eu sei que não são maçanetas
que seguramos;
são os narizes das portas,
com várias formas, igual as pessoas da rua,
alguns redondos, compridos, etc.

As portas,
são particularidades, tornaram-se,
tornei-as, personagens, personalidades.
Existem,
as mais clarividentes,
que possuem um olho mágico.
Têm por dom,
o ver e não ser visto.
Velhas portas,
rangem
sua ruída,
descascada sabedoria de abrir
e
fechar.

Portas
olham
ao ser
olhadas.

eu...

entreaberto.

dos erros

Da poesia
um erro de poetas tortos.
Quero o inglório dom[escolha?]
de fazer versos errados,
tortos,
como a minha má escolha
irrevogável.

Falar falar falar!
necessidade burra,
burrice desnecessária.
De linguagem
deveríamos só poesia.
Se o falar não fosse lírico ou
doido varrido, nem coubesse
no ouvido das tartaugas,
sobrava o que tudo engendra:
silêncio.

De tolo
achei minha palavra guardada
mais importante que o caos,
que o que por si só se queria,
e de tolo falei;
nada é mais importante que nada,
muito menos minha palavra guardada,
sossega palavra! Nesse armário pensamento,
aprende entre traças e cupins,
tecidos velhos desfiam ideais,
se guarde palavra guardada
que não és mais importante que o que está.
Existem muitas e muitas palavras
guardadas,
e que só assim
são sábias,
porque assim são
ainda sem forma clara; são só o que podem ainda ser.
Se se perderem,
não há mal,
alimentarão as traças,
alimentarão os silêncios,
e os silêncios são
o absoluto.

predigo

Era só isso sempre:

uma necessidade aguda

que de tanto

quase não é.

Viver, se repetir

e não se odiar.

Tudo muito, exageros,

há que se apreciar

a beleza do que é pouco.

Eu atendi sem angústia,

pra acalmar o choro,

e cantei de trovador

ou pobre menestrel, cantei,

pra tentar o que há por trás do véu,

cantei sabendo que era só isso

e depois o vôo. Depois,

me recolhi,

miudamente, encostei as frases,
calei me: voz e violão.
Olhei os signos
[já sabia os significados(significâncias)]
não quis mais
e
pensei: estrada.

Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Só em Deus ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.




*aquele poema do Manoel Bandeira.

Alguma Casa

um barbante

muitos nós, carretel
no chão
de um teto
sem parede.

MANCHETE

de um jornal,
bem velho,
bem mentido,
mal mal...

mal esquecido.

A janela
do quarto
se quebrou por cansaço

ferrugem,
sapatos,
mobília dormida,
desuso de coisas.

Tantas canções,
tantas memórias...
mães e filhas do
mesmo

esquecimento,
do mesmo
cimento.

Zaqueu ficou

Velho Zaqueu ficou. Sempre ficou. Seu saber consistia ficar.
Não era homem de ir. Era de ficar.
De raíz. Como que se tivesse ali naquele chão rachado brotado qual mandacaru
pela uma fresta mais barrenta que poeira. Planta caatingueira é isso:
um não dito tão forte que se faz ouvidado. Que não vai.
Essa ficância de insistência que não mata a raíz de essência
mas num chega pra flor. De tanto não ir; nem querer
gente se debruça ensimesmado e o quintal se agiganta no horizonte do olho.
Santo Zaqueu zeladô de todos os mistérios que não são todos
mas são todos os que são, de tanto se arrepensar encontrou uma garrafa vazia,
impossível de se arrolhar porque nela o mistério era o seu próprio vazio.
Zaqueu parou. Coçou a barba e pensou em Lilo... Foi reticente seu pensar,
demorado. Campeou até a sombra de uma esperta. Enrolou uma palhinha pra mode
neblinar os pensamentos com o intuito de depois.
Talvez nunca mais Zaqueu usasse seu velho ofício, talvez fosse a última garrafa
o seu último mistério descomeçado, interminado. O seu próprio mistério.
Pela primeira vez em ser Zaqueu sentiu velhice. Não nos ossos nem nos pés.
Na garganta dalma; talvez fosse saudade.
Santo velho nunca tinha esperado nada que fosse na vida.
Nem também não tinha nunca querência de passar tempo, pois praquele antigo
olhar o vôo das borboletas requeria muita concordação.
Mas agora, na boa hora em que a terra recomeçava a beber seu suor trabalho
ele arreparava velhice velha, saudade chuva.
E pensava se o ele próprio engarrafaria o mistério de por detrás do mistério.
Sertão um livro, um poeirão batido sem folha inteira e um pensamento:
toda saudade é uma espécie de velhice. Zaqueu ficou.

Papo universiOtário

Morre num morre, Machado de Assis, sei lá, alguém me socorre que eu tô num disquete que pensa que pensa, mas esse código é todo binário, papo furado,
mais que em disquete me sinto zipado, universiOtário; quem é esse UNESCO?; Tá claro? Tá escuro? Tá Foda! no apuro, vim aqui virar coisa, nesse coisificômetro cognicionista reacionário[estatística, porcentagem, lógica]: Programada Estupidez, quem vai calibrar o espectroscópio? Por favor! um musse de limão!(Professora, existe musse de banana?)

Cadê a receita? Ensinar a aprender, aprender a ensinar, aprender a aprender, ensinar a ensinar, parece tudo um musse de banana arriscado,
preferia confeiteiros confeitados a esse rocambole embolado. repeteco, peteleco, tico e teco, tudo saco da mesma farinha; raíz de macarrão no lugar/pensar, ô Paulo Freire, sociedade me disseram no prédio com teu nome, tá precisando Inteligência Social, veja que bela bosta esses doutos Doutores sabem saber por slides da UNESCO que rima com pitoresco e não deixam o menino negligenciar a memória o pensamento em linha reta sinalizada de leis;(pragmática meta linguagem cultural positivista contéudo), pragmática meta linguiça incultural presses menino de hoje em dia que não sabem bem ser balde sem fundo, que tão metido a semente.


PELO AMOR DE DEUS!
alguém chama um cara do MEC...Donalds pra avaliar esse nosso ensino transgênico [FAST FOOD], essa deseducação constante servindo à burrocracia ditada de cór, decorada ditadura enquanto morria num morria a nossa pobre subjetividade criativa,[preciso teatro Augusto Boal que eu tô oprimido, que eu tô no sal!] mas UNESCO ditou tá ditado, acatado, assimilado, reproduzido: CRIATIVIDADE é: coletar dados, especificar os problemas, objetivar os conceitos e reproduzir o comportamento de homens e mulheres que a sociedade de hoje precisa.

Humildade

Não sei
Ninguém sabe; amanhã
não nasceu, nunca morre.
Só. Seca ao sol.
Talhos muitos talhos
nos dedos e nas mãos,
baixo das unhas... sujeira limpa.
Calos muitos calos
nos dedos, nas mãos
cima os olhos sem palavra.
Areia, barro, bambu, foice e facão.
Oco estampido, oco silêncio,
ocas todas as noites desluaradas.
Madeira
maciça... Morte: maciça maciez.
Conselho à esquerda,
por distância... um braço
de vento. E tudo que há,
me desminto, momento.
Prefiro sem cinto,
dispenso se tento.
Teatro de incêndio e esquinas.
Nascimento da esquina, vozes, muitas vozes de esquinas.
Cabelos cortados, navalha amolada
Milagre dos peixes e pedras que choram
seus filhos de pó.
Não, ninguém sabe,
amanhã não nasceu; nunca morre.
Revolução é palavra plural.
...viver é muito perigoso.


trecho de O Grande Sertão Veredas

Entardecido

Desde que não fui
tenho reparado. Todo dia entardece
amarelo amarelado.
Meu irmão falou que talvez de dias assim
rezam sábios literatos
misteriosa atmosfera.
A mim, nada faltava.
Gostaria que chovessem pétalas amarelas
de uma flor que não tem nome
e só conheço por sonho.
Se chove no dia, entardece amarelo molhado.
Se não chove, amarelo mais que amarelado.
Tudo isso vejo da minha janela,
mas a janela sempre aqui esteve bem de perto.
E os dias também, por eles passei passando assim
quase sem passado, sem memória ou futuro projetado.
E só agora nesse meu novo olhar
percebo essa cor derramada nas coisas
que pertencem ao entardecer.
Aprendi nos livros, esse entardecer mineralmente
valioso. [O ouro em metal já não vale tanto].
Me pergunto como se escreve entardecer no plural.
Pois prefiro os entardeceres que miro da minha janela.
Admiro esse doce transcorrer amarelamente entardecido
através de minha janela aberta,
E espero o dia em que choverão pétalas amarelas.

Sobre corpos e almas

Não sabes, não queres,
Te esqueço, te esquece,
Almas são almas,
Corpos são corpos.
Se perdem se perdem
em lençóis edredons,
entre nuvens, entre dedos, entre dentes.
Entrementes se perdem se perdem.
Corpos são corpos,
almas são almas.
Corpos se entendem
estendidos sem sonhos,
Almas se desencontram
sonhando demais.

O que tenho

Não escrevo sonhos
não escrevo versos,
desconheço metáforas
figura de linguagem: grafia.
Não sou de todo louco
não sou de nada são
não invento palavras,
não canto cantigas de amor
não escrevo pra ninguém,
não me importo
não me exporto, [às vezes sorrio],
não sinto vontade de chorar,
não sei dançar,
não tenho dinheiro
ando a pé.
Não sei mentir mais do que as palavras,
não escrevo cartas,
não espero telefonemas.
Não sou mais que isso.
Não sou velho; nem novo.
Não tenho medo de chuva,
não tenho medo de não ter,
pois já perdi.
Não tenho importância,
não tenho exportância,
não adoeço, mas não tenho remédio!
Não tenho horas,
não tenho sapatos,
não tenho vergonha.

Tudo que tenho: silêncios.

Santanejo

Zaqueu engarrafava mistérios com a maestria de dedos sabidos, de mãos sabidas. Não se faz teatro qual preto velho. Preto velho é que faz vida qual teatro. Como que nem fosse. Engarrafar mistérios nunca foi serviço de qualquer antigueza. Não bastam muitos anos contados, o que vale mesmo são os não feitos momentos. Lilo olhou muitos anos praquela pedra grande; talvez pra sombra dela. Um dia Lilo pegou um martelinho, uma faca cega, sua fé amolada e saiu como se fosse um viajador. Desajeitado um gavião revoou pela soleira de Zaqueu e derrubou o mistério que ele engarrafara no dia em que Lilo aconteceu; porque Lilo aconteceu! [foi um dia muito atípico aquele. Lilo simplesmente aconteceu como acontece um temporal de de repente, um barro virado gente com uma voz de não sei quê e uns olhos assim azulejados]. O mistério desengarrafou se, o vidro se partiu, subiu uma nuvem desenhada de muitos santos esculpidos em pedra por um martelinho, uma faca cega e uma fé amolada de Lilo do barro com par de olhos de azulejo que inventou silencioso o próprio dom. Depois ficou um cheiro de céu no ar. Aqueles anos todos olhando aquela pedra grande, aprendendo sua sombra que sem forma o mundo é mais, ouvindo o mais que velho Zaqueu com seu chapéu de palha e mãos de nuvem fresca. Aprendeu com as ladainhas de velhas romeiras sertanejas, cavando poço fundo e purificando a água com semente de cabaça. Lilo era solidão e caatinga, sem medo de num ser. Lilo aquele dia em que a ladainha não cantou e em que Zaqueu não comeu farinha entendeu que a alma é matuta no caminho; e que a inspiração é a própria necessidade.

Latino America

Por sorte um punhal
afiado de uma sede acordada Aposteriori.
Azar:
muitos venenos,
muitas fontes,
Liberdade
por medida e as-sina solidão,
Porque se rasgam todos os contratos assinados
em cartórios, em carne viva, nos muros da cidade.
Estruturalista e contratual, nosso amor, nossos sonhos
avessos atravessados por tantas dor-mentes insones que rolam nas camas
que temem o escuro do quarto e o sol do meio dia
que sabem rezar mas não crêem em deus. Nosso ideal marcado,
nosso papel ao vento, no meio de tanto eucalipto.
Eu queria viajar de trem, a solidão dos trens
é mais bonita que a dos automóveis, que a das rodovias.
Mas a cidade está cheia de muros invisíveis, que não se pixam
nem se fazem propagandas. Muros e valas, invisíveis pro olho,
Bernardo caiu um dia.
A América Latina está cheia de muros Gabriel! Muros
e valas,
rodovias, asfalto, automóveis, prédios e temporais seculares.
Esse é o tamanho de nossa solidão Gabriel,
nos foi negada a triste e linda solidão dos trens e das estradas de ferro,
doutos senhores decidiram em conselho que índio não tem alma.
E negro bom se reconhece pelo dente.
Violada identidade latino americana,
separados ou unidos não importa! tudo feito à força bruta.
Nos descobrimos pela história que os próprios dominadores nos contaram, nos contamos com as datas que eles definiram e continuamos correndo atrás
de não sermos o que somos, como é dolorida essa busca falsa!
É melhor acreditar nos mitos da floresta,
nos seres fantásticos que nossa inspirada solidão criou de tanta ternura,
é melhor exaltar nossos heróis e guerreiros que se ergueram em tantas lutas
de palavras, de espadas, fogo e poder!
Os nossos heróis, nascidos das entranhas dessa terra rica
que lutaram por ela pisando obstinados o chão que os pariu,
não queremos que os invasores iludam a nós mesmos de sermos invasores,
porque se viemos de fora pra assim sermos chamados, aprendemos com o suor
a amar cada palmo afundo e avante que nos cerca como a uma Mãe maiúscula.
E de Neruda à Vinícius a nossa poesia segredou de muitos lírios amarelos
nossa liberdade ainda que tardia. Cem anos de solidão pesam sobre os ombros de cada um de nós sem sequer sabermos em nossa maioria. Cuidamos nós mesmos das nossas lágrimas e feridas, assim como celebramos nós mesmos nossas vitórias e conquistas.
Construiremos e reconstruiremos nossas casas quantas vezes precisas. Construiremos nós mesmos nosso destino, podre ou glorioso.
Nossos únicos contratos são os cordões umbilicais que cortamos pra crescer,
o leite materno que não se vende e o prazer mais sincero e puro que não se compra.
Nosso amor mestiço represado através de séculos.
Vamos derrubar os muros que nos cercam e nos invadem sutilmente,
vamos desligar a televisão e sua catarse catastrófica,
vamos nos pintar de urucum, do que nós somos e abraçar a nossa solidão
enfim purificada como quem abraça a paz sem forma.

Coração remendado

balãobãobão no céu
EXPLODE alegria!
[chuvisco] derisonho decadente
cai que nem dente deleite derramado.
Não chora, num adianta.
de nada, nada adianta
vida num é feita pra adiantar
ou não
nem é feita.
Quanta desfeita, desdita,
tanto deus dito, ditador.
Vitrines separadas por oceanos
por solidões aflitas.
Sobe balão no alto
sobe pipa e papagaio, sobe foguete e avião
e cai, mas nem tudo. Tem vôo
que vira céu.
Olho d'água -
de sal que nem mar
tristeza arenosa de castelos sem sonhos.
Tanta coisa arrebenta em si
remendado coração,
remendado o sorriso,
no bolso também remendo.
Remédio é remendo
pra num remoer
O peito arrebentado
que nem onda na pedra
esfarrapado coração
nunca há um remendo
pra tampar saudade.
Cai cai balão
cai cai no chão.

Augustos os Anjos

O anjo é a presença mais sutil
menos vista que sentida.
O olhar da alma
a linguagem das linguagens.
Em silêncio cuidam dentro
a terra humana
de palavras e passagens.
O anjo é o ser sereno
Descalço de passado,
Alado de perdão
Plantado à paciência.
Os anjos se reconhecem
em suas mãos marcadas de poesia,
em seus sonhos chovidos por muitos céus.
Os anjos não têm nome de gente,
nem de bicho ou deus,
eles só cantam e adormecem dores
eles se calam e acordam poesias.

" Eu sou o Diegho e vou falar...

Antes de chegar ao acampamento Francisco Julião, passamos pelo assentamento Olga Benário(em Visconde do Rio Branco) para deixar as meninas que fariam a vivência por lá. Como não caberíamos todos no carro porque um dos assentados iria apresentar as meninas às respectivas famílias que as receberiam, fiquei esperando junto ao Edilei, o frente de área, que trabalhava na construção de uma casa com seus companheiros. Enquanto lixávamos as telhas, ele me contou um pouco sobre quem foi Francisco Julião. Um advogado e deputado federal que na decada de 50 começa a lutar e representar as ligas camponesas. A luta começou pequena como todas as coisas, lutavam eles então pelo direito de enterrar dignamente seus mortos. Mas como toda luta começada por baixo guarda muitos desdobramentos, eles começaram a avançar cada vez mais e consequentemente incomodar cada vez mais inimigos. Francisco Julião foi morto no México depois de uma longa perseguição da ditadura militar, a mesma que muitos chamam revolução de 64. A luta pela terra começa muito antes do nascimento e se estende pra muito além da morte.
Nas pessoas da roça como Dona Aparecida e Sr. Darci(que me receberam)não existe primeira ou segunda impressão. Eles são o que são o tempo todo porque é esse o jeito deles de saber ser. Como muitos disseram, o instinto de hospitalidade dessas pessoas é tão forte que eles nos tratam por visitas que merecem ser poupadas do cansaço que nunca os poupou desde que nasceram. Paciência e muita adimiração. O instinto fala mais alto. E como é bonito o jeito de ser desse povo matuto.
Mas eu quis trabalho e o consegui e segui assim querendo, às vezes não conseguindo e quase sempre não aguentando. Parei de fazer a barba não por vaidade estética, mas porque eu também não olhava mais pra espelho algum, porque se eu me refletia, era naquela gente sem terra de ocupações terrenas das mais elevadas. Conversando com quem eu encontrava pelo caminho, que já eram poucos em vista do que me diziam já terem sido, entendi que o começo de ocupação era igual a palha no meio da lenha grossa dentro do fogão. O que os unira era muita gente junta e as festas, os momentos bons. Mas pra amassar o barro, construir barraca e cuidar da plantação precisa muita paciência e força pro fogo num se apagar.
Conheci roçeiros velhos que só querem um pedaço pequeno de terra e justiça, que não deixa de ser sofrida mesmo depois de cada conquista. Os matutos são os professores mais humildes que existem. Eles ensinam porque é inevitável que eles saibam de todas as coisas que encontramos pelo caminho. E ainda nos tratam por detentores de muitos saberes que são tão maciçamente especulativos.
O barraco não tem luz, nenhum barraco tem luz. Prometeram a luz primeiramente em 15 dias, depois 6 meses e depois esqueceram e desimportaram-se. E a bandeira continuou e continua hasteada apesar de todo pesar. Conheci pessoas inflamadas e sonhadoras que inspiram minha existência. Percebi muitos atritos internos entre os moradores do acampamento, e apesar disso eles se relacionam superando miudezas, se ajudam. Quando descobri que os líderes locais são os mesmos desde a primeira ocupação, questionei o movimento e me deparei com uma de suas muitas contradições. Mas agora, pensando nisso, me recordo de uma fala do Wílian. Ele me disse:"Existem momentos de luta e existem momentos de silêncio, eles se alternam." Pensei então no prenúncio de mudança guardado em cada crise. As lideranças não são na minha opinião de forma alguma más, elas apenas ilustram o quão difícil é ser líder sem errar.
Muitos dos moradores me fizeram perceber como eles em grande parte não se sentem sem terras do Brasil, do movimento, como eles se sentem os sem terras dali, que sempre viveram ali e que encontraram no MST um meio para conseguir a terra. É difícil o despertar de consciências, o quanto a mídia, coisa tão imaterial que é, não encontra fronteiras e ocupa incessantemente as terras do pensar de cada pessoa. A mídia sim é uma invasora infame que não respeita e mina a fertilidade da consciência da sociedade. O Brasil é um grande país feito de sem terras operários, favelados, urbanos e rurais que levantam ou não bandeiras, que vestem ou não camisas. Oprimidos por todos os lados e ainda assim tão cheios de fibra e uma sabedoria de simplicidades.
O movimento precisa constantemente de renovação sem perder o respeito pelos antigos que precisam primeiro da terra e de alimento pra pensar depois em educação. As necessidades básicas: luz, saneamento e terra, precisam ser conquistadas pra depois pensarmos na continuação, que a luta não acaba aí, se desdobra infinitamente. Mas o povo precisa antes de saúde e barriga cheia pra pensar depois disso que há ainda muita coisa feia.
A revolução é feita principalmente por homens e mulheres simples que seguem os ciclos da terra e esperam a lua minguante pra plantar arroz, feijão, milho, mandioca, cana e tudo quanto a terra dá. A revolução precisa de gente que nem sempre é essencialmente revolucionária. Precisa das Aparecidas e dos Darci's, dos Jorges, Joãos e Marias. Que usam facão pra andar no mato e foice pra roçar o chão, de lâminas que não derramam sangue e conhecem a terra. Precisa de que reconheçamos que o ideal da luta em algum momento se mistura ao ideal da terra. E de muitas estações é feita a vida, que se renova ao se repetir e que se repete ao se renovar.


eu sou o Diegho e falei."

Nota

Geralmente não faço relatos sobre o verdadeiro eu tangível que sou auqi no blog,
porque prefiro iludir vocês de que sou poeta e me contento com esse papel.
Porque no meu imaginário os poetas quase não chegaram a ser homens, mas são.
Cheguei hoje do estágio interdisciplinar de vivência da zona da mata(EIV),
um parênteses fascinante na minha vida, uma realidade tão revolucionária como
só a realidade sabe ser. O estágio tem por propósito proporcionar aos estagiarios
uma vivência dentro de movimentos sociais como: MST (Movimento dos sem terra), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e o Sindicato dos agricultores, presentes
na Zona da Mata de Minas Gerais.
Eu fui mandado ao acampamento do MST Francisco Julião, próximo a Santana de Cataguases, eles ocuparam a fazenda da Fumaça em maio de 2006. Ela é improdutiva e mantém práticas criminosas ainda hoje. Eles derrubam árvores nativas das matas da fazenda para fazer carvão e plantam eucalipto. O acampamento começou com cerca de 160 famílias e hoje é formada por apenas 13 famílias que ainda vivem na incerteza se conseguirão a terra ou não. No começo prometeram a luz elétrica para 15 dias, depois 6 meses e até hoje eles vivem à luz de lampião, água de mina e banho de cavalo(como eles dizem por lá).
Francisco Julião foi um advogado e deputado federal que no começo da década de 50 começou a intervir a favor das ligas camponesas e seus interesses. De suma importância no começo dos movimentos sociais no Brasil ele lutou enquanto pode. Durante a ditadura militar, depois de uma longa perseguição, ele foi morto no México.
Mas luta já existia antes e continuou e continua ainda hoje nesse Brasil gigante de sem terras, Coronéis e Marajás.
Enfim, nem sei mais qual era meu propósito quando comecei a escrever essa postagem, mas certamente me habita uma necessidade irredutível de me dizer e compartilhar essa experiência que me revolucionou. Talvez uma justificativa pela minha desavisada ausência virtual. Mas antes uma fagulha com a qual eu me queimei e fiz-me em brasa
e agora incandesço de muitas vontades ardentes e uma sede profunda de revolução.
"Sejamos realistas, exijamos o impossível."
Ernesto Guevara

Brasil Tupi


"Guaicurus Caetés Goytacazes
Tupinambas Aimorés
Todos no chão
Guajajaras Tamoios Tapuias
Todos Timbiras Tupis
(...)
A cidade plantou no coração
Tantos nomes de quem morreu
Horizonte perdido no meio da selva
Cresceu o arraial."

Ruas da cidade, Clube da Esquina



Lavada de sangue essa terra Tupi,
Impregnado, ardido esse meu sono Guarani
essa minha insônia lusitana,
As consciências se pesam
na sua balança de pesares
Apesar do abismo selvagem
cravado de culpas sem nome e sem margem.
Todos no chão
dessa nossa desmemória incorruptível.
Pobre índio morto nos séculos
e revivido na língua
de um país feito de livros
e sem terras descalços mestiços.

Pequena oração madrigal

Não abandono os momentos pequenos
porque a vida
não é mais farta que um grão de areia,
de arroz.
Me incomodo de não querer
porque a vida
não é mais pobre que o egoísmo,
que um desengano.

Esqueci aquelas rezas ensinadas
porque aprendi as vividas.
Missas de sol e lua,
línguas de fogo e de ferro.
Pedra, potência e rio correndo
e mundo girando e estrelas
caindo nos telhados das igrejas
e dos currais, nos pastos, nos leitos
E nos ais!

Eu que sou isso e creio em Deus,
rezo de olho aberto,
rezo na ponta de um lápis quebrado
Com a fé das montanhas e das mostardas.
Eu que não rezo de mãos juntas,
não estendo os braços aos céus,
Não entrelaço os dedos. Eu que gosto
da sombra que não tem passado.
Peço sossego na vista
e uma paciência ruminante.
Uma merda porque falta amor
ou
sobra sem destino. E o correio
anda caro! E as cartas não se
escrevem mais tão apaixonadamente.
E os e-mails tornaram-se banais
porque são fáceis. Os românticos também:
banais e fáceis.
Que triste fim levou o amor. Virou
uma coisa previsível.
Virou raiva!... de carinho.

Os tempos de gelo
ardem mais que os de fogo.

desabafo

Acordar, tomar banho, fazer a barba sem o auxílio do espelho, tomar o café, ler o jornal,
sair de casa, ir trabalhar, cumprimentar conhecidos pelo caminho,
fazer uma breve reverência aos velhinhos que passeam ao sol das oito,
levar um susto com a buzina de um carro estressado,
seguir desconcertado. Atravessar na faixa de pedestres
que na minha cidade raramente é respeitada,
recusar os panfletos que garantem seu amor de volta em 24h
ou seu dinheiro de volta. Esperar o ônibus,
fumar um cigarro enquanto isso, fora da marquise,
respeitando a lei anti fumo. Respeitar todas as leis
que ficam guardadas em códigos empoeirados que só atualizam
suas versões, para que os estudantes de direito não reaproveitem
os de seus pais; não pra melhorar as leis. Respeitar leis empoeiradas, respeitar governantes
lustrados de muitos óleos e peroba que disfarçam sua posição de muitas décadas.
Fazer uma pausa para o almoço, nem dá tempo de voltar em casa hoje,
comer a comida que foi feita pra dar lucro e não pra nutrir,
nem carne nem pensamento. Pagar e pedir o troco em chicletes - ajudam na digestão -
enquanto se acende outro cigarro - o digestivo é um dos mais prazenteiros do dia -
o dia é longo se contado em cigarros. Penso: tudo bem que não consultei a mulher do Tarô, mas meu amor
não voltou, e eu não esperei só 24h. Já perdi as contas, talvez 24 meses,
o celular toca sempre de repente e basta uma bosta de pomba no ombro,
um chiclete grudento na sola do sapato - talvez um chiclete que eu mesmo cuspi noutro dia igual a esses que passou - basta um telefonema do banco cobrando
o que eu não gastei, o sinal fechado, o olhar atento do policial,
a fumaça diesel, o pivete e o pedinte de cada esquina e pronto:
você se descobre um hipócrita que se iludiu de ter o dom da poesia e da literatura,
que mentiu aplicação ao violão e só foi realmente bom em matar aulas, beber escondido quando menino e queimar aranhas.
A estupidez é uma pulsão humana como tantas outras
e ela ainda me disse: " isso não atrai as pessoas."

Haiti

De manhã acordo cedo
porque é a hora do dia em que eu me sinto mais divino
só por ser humano. Depois me deito de novo.
Acordo fora de hora
fora de tempo,
ouço minha mãe fritando ovos
que comprei ontem e fiquei devendo.
A tv escolhe a hora do almoço
pra dizer que no Haiti não tem almoço,
desligo a tv, esse sol que não dorme nunca.
Gosto da gema bem molinha.
A gema também me lembra um sol
enquanto que o sol de fato me faz esquecer todas as coisas,
o sol que não cabe no olho.
A fome que não cabe no almoço
O Haiti que não cabe na América
e os inocentes que não cabem no Leblon
porque seus carros não cabem na garagem.
Usam óculos escuros e cremes suaves contra os sóis.
O almoço é só uma convenção.

Descaminhos

A Solidão, a Morte, o Gozo
igualam todos os homens.
Muitos se perdem por esses descaminhos,
não faz mal
nem bem.
Impossível condenar quando já se é um condenado.
Condenado à Morte, nascido no Gozo e sozinho
inescapavelmente sozinho.
Conheço os que temem a Solidão pelo seu jeito de andar,
eu não a temo
eu tenho vocação pra ser sozinho, é a Minha Solidão que me acompanha
a toda sorte.
A Morte é a certeza de um encontro infalível
Lá no Final da minha estrada de passos.

Gozar é se Libertar de toda Necessidade.
Liberdade e Necessidade

Gozar.

Há Fome também, não me esqueci,
fiquei pra sempre é
desesquecido por esses meus descaminhos,
vi a Fome devorando a Liberdade dos homens,
das crianças e das mulheres sem nome.
Tão solitários todos eles,
tão desbotados os olhares e embrutecidos
os seus prazeres.

Num desses ébrios desvarios
confundi pra sempre o Silêncio
com a Necessidade.

Ensimesmei-me enquanto escrevia
e amei Minha Solidão.
Ai o Amor sem quando
caminhante desses e de todos os outros descaminhos
sem razão e sem juízo.

Se

Se a vida fosse uma palavra
eu não ousaria dizê-la.
Se fosse fogo
eu seria as cinzas espalhadas.
Se não fosse nada
eu era o Deus sentado.
Fosse um círculo
e eu amava a força tangente
que se perde na alucinação
de querer ser linha,
Descuidado de que os carretéis enrolam-se
sobre si mesmo.
Se a vida fosse morte
eu era a terra:
escavada, revolvida.
Se fosse liberdade; passarinho.
Se a vida fosse nascimento
eu era a poda.
Se a vida fosse chuva
eu era o sertão inteiro
E se a vida fosse só um poema inacabado
eu era a pena seca e uma lágrima salgada.

Elemento

A gente se sabe
não só no gozo.
É conflito é fogo
é foda.
Mas há o vento
sábio não dito entre todos os verbos.
Há vento e verbo e fogo!
Se comendo e fustigando e se fodendo,
com amor.
Sossego é um sopro
que faz curva antes da gente.
É assim a natureza indomável de todas as coisas.
Queima e arde ao vento,
arde o verbo. Arde
apenas.