" Eu sou o Diegho e vou falar...

Antes de chegar ao acampamento Francisco Julião, passamos pelo assentamento Olga Benário(em Visconde do Rio Branco) para deixar as meninas que fariam a vivência por lá. Como não caberíamos todos no carro porque um dos assentados iria apresentar as meninas às respectivas famílias que as receberiam, fiquei esperando junto ao Edilei, o frente de área, que trabalhava na construção de uma casa com seus companheiros. Enquanto lixávamos as telhas, ele me contou um pouco sobre quem foi Francisco Julião. Um advogado e deputado federal que na decada de 50 começa a lutar e representar as ligas camponesas. A luta começou pequena como todas as coisas, lutavam eles então pelo direito de enterrar dignamente seus mortos. Mas como toda luta começada por baixo guarda muitos desdobramentos, eles começaram a avançar cada vez mais e consequentemente incomodar cada vez mais inimigos. Francisco Julião foi morto no México depois de uma longa perseguição da ditadura militar, a mesma que muitos chamam revolução de 64. A luta pela terra começa muito antes do nascimento e se estende pra muito além da morte.
Nas pessoas da roça como Dona Aparecida e Sr. Darci(que me receberam)não existe primeira ou segunda impressão. Eles são o que são o tempo todo porque é esse o jeito deles de saber ser. Como muitos disseram, o instinto de hospitalidade dessas pessoas é tão forte que eles nos tratam por visitas que merecem ser poupadas do cansaço que nunca os poupou desde que nasceram. Paciência e muita adimiração. O instinto fala mais alto. E como é bonito o jeito de ser desse povo matuto.
Mas eu quis trabalho e o consegui e segui assim querendo, às vezes não conseguindo e quase sempre não aguentando. Parei de fazer a barba não por vaidade estética, mas porque eu também não olhava mais pra espelho algum, porque se eu me refletia, era naquela gente sem terra de ocupações terrenas das mais elevadas. Conversando com quem eu encontrava pelo caminho, que já eram poucos em vista do que me diziam já terem sido, entendi que o começo de ocupação era igual a palha no meio da lenha grossa dentro do fogão. O que os unira era muita gente junta e as festas, os momentos bons. Mas pra amassar o barro, construir barraca e cuidar da plantação precisa muita paciência e força pro fogo num se apagar.
Conheci roçeiros velhos que só querem um pedaço pequeno de terra e justiça, que não deixa de ser sofrida mesmo depois de cada conquista. Os matutos são os professores mais humildes que existem. Eles ensinam porque é inevitável que eles saibam de todas as coisas que encontramos pelo caminho. E ainda nos tratam por detentores de muitos saberes que são tão maciçamente especulativos.
O barraco não tem luz, nenhum barraco tem luz. Prometeram a luz primeiramente em 15 dias, depois 6 meses e depois esqueceram e desimportaram-se. E a bandeira continuou e continua hasteada apesar de todo pesar. Conheci pessoas inflamadas e sonhadoras que inspiram minha existência. Percebi muitos atritos internos entre os moradores do acampamento, e apesar disso eles se relacionam superando miudezas, se ajudam. Quando descobri que os líderes locais são os mesmos desde a primeira ocupação, questionei o movimento e me deparei com uma de suas muitas contradições. Mas agora, pensando nisso, me recordo de uma fala do Wílian. Ele me disse:"Existem momentos de luta e existem momentos de silêncio, eles se alternam." Pensei então no prenúncio de mudança guardado em cada crise. As lideranças não são na minha opinião de forma alguma más, elas apenas ilustram o quão difícil é ser líder sem errar.
Muitos dos moradores me fizeram perceber como eles em grande parte não se sentem sem terras do Brasil, do movimento, como eles se sentem os sem terras dali, que sempre viveram ali e que encontraram no MST um meio para conseguir a terra. É difícil o despertar de consciências, o quanto a mídia, coisa tão imaterial que é, não encontra fronteiras e ocupa incessantemente as terras do pensar de cada pessoa. A mídia sim é uma invasora infame que não respeita e mina a fertilidade da consciência da sociedade. O Brasil é um grande país feito de sem terras operários, favelados, urbanos e rurais que levantam ou não bandeiras, que vestem ou não camisas. Oprimidos por todos os lados e ainda assim tão cheios de fibra e uma sabedoria de simplicidades.
O movimento precisa constantemente de renovação sem perder o respeito pelos antigos que precisam primeiro da terra e de alimento pra pensar depois em educação. As necessidades básicas: luz, saneamento e terra, precisam ser conquistadas pra depois pensarmos na continuação, que a luta não acaba aí, se desdobra infinitamente. Mas o povo precisa antes de saúde e barriga cheia pra pensar depois disso que há ainda muita coisa feia.
A revolução é feita principalmente por homens e mulheres simples que seguem os ciclos da terra e esperam a lua minguante pra plantar arroz, feijão, milho, mandioca, cana e tudo quanto a terra dá. A revolução precisa de gente que nem sempre é essencialmente revolucionária. Precisa das Aparecidas e dos Darci's, dos Jorges, Joãos e Marias. Que usam facão pra andar no mato e foice pra roçar o chão, de lâminas que não derramam sangue e conhecem a terra. Precisa de que reconheçamos que o ideal da luta em algum momento se mistura ao ideal da terra. E de muitas estações é feita a vida, que se renova ao se repetir e que se repete ao se renovar.


eu sou o Diegho e falei."

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