" Que ninguém se engane, não, pensando que o que espera haverá
de durar mais do que durou o que viu. Pois eis que tudo
haverá de passar da mesma maneira."



de Memórias de minhas putas tristes, Gabriel García Márquez

do Leitor

Viver é escrever uma história descontínua
do que se foi a cada agora já vivido.
E depois, ao longo dos rios que secaram
esquecer-se das horas turvas
dos sonhos que não mudaram.
Esquecer de trechos,
dos que não ficaram.
Ah o homem... Talentoso artista
que escreve a vida enquanto lê
às sombras das árvores
e ao canto dos rouxinóis.
Lê também os signos da Terra
e as chuvas detrás do monte,
os olhos dos roçeiros velhos.
O homem lê o não dito - fito -
e se apaga infinito.
De todos os sentidos humanos
o mais sincero é a leitura
que não se restringe
Porque toda linguagem
não passa de mera invenção!
Essa embrulhada que é a vida
vale os livros que lemos.

Moira

O final da rua
eu já sei. É o mesmo,
às vezes molhado de chuva,
às vezes com cacos de vidro.
Eu adivinho.
As coisas ficam
da maneira como as deixamos,
ficam? e se não ficam... vãos?

As prateleiras podem cair
e os livros ficarem todos no chão
caoticamente predestinados.
As prateleiras caíram. Talvez
quando descíamos o terceiro andar ou
no derradeiro minuto antes de voltarmos.
Não importa, caíram
e os livros lá
todos no chão

pesa mais Machado a
Dostoievski? Quintana flutuou?
Drummond como uma pedra e um meio,
um descaminho...

É como um dado rolando
aleatório
mas dado,
a gente adivinha e se surpreende.
Como se o que é dado
não fosse dado e se inventasse
sem destino, mas destinado
a rolar e ser acaso - pressuposto e novo -
determinismo e Liberdade. Escolher
o que se é e Duvidar.
Não adianta arrumar tanto assim o quarto,
uma noite dessas a estante desaba e
deixa os livros
todos no chão.

A Galinha


A galinha se perdeu
no ciscar desvairado
nas conversas estridentes,
Dentro de seu infinito cercado,
mais cercado o infinito.

A galinha morreu sem ciscar
a soleira da casa,
sem desejar o mar. Galinha é
um bicho do Continente,
A praia talvez não fosse
tão farta quanto a pedra dura. O coração
da galinha,
Pulsa direto no olho de ave,
que não revela mais que o seu vôo
desajeitado, que não revela mais
que o seu desespero sem Fundamento. Sua inquietude
inexistencial é cumprir.
A galinha tem mais medo da morte do que eu,
sem a certeza que não muda o nosso Destino comum.

Galos de briga


Galos de briga
Altivez despedaçada
tristeza impropósita
rubro escoar por entre penas
consumido pela fúria
dos flagelados.
Olho vazio
Guerreiro sem pátria
exilado!
Caminha impassivo
sem êxito nem hesitar
Diante da morte

Loucomovente

diante do quando,
Afasta de si o seu último canto
rouco
rasgado
resignado.

Aurora desavisada.

Crepúsculo

Tantas memórias o espírito
espíritos memoráveis
presenças, eu atravessado.
Reconhecer isso
me sabe o crepúsculo das seis,
a conversa dos pingos pingados,

Transpiração vegetal.

Os óculos ficaram esquecidos
na puberdade dos pensamentos. Como
se eu tivesse corrigido meus olhos
de dentro pra fora.

Compreender não leva ao nada
e isso funde, confunde.

As sensações contam vidas,
lembranças do fogo
vento no choro, nas pedras,
ser descalço. Melodia nas
águas.

Saber é sentir
.

sininho

Esperar a tristeza
é senti-la
aproximando-se lentamente, ouvindo seus passos
ruidosos. Como houvesse um momento exato
pra essa tristeza desaguar-se
Da sua própria espera
e começar um'outra renovada espera
de que passe e um dia
Vire uma fotografia desbotada quem sabe.

Um alento lento
dentro da tua lágrima salgada.
Não se despedaçe.
É preciso sabedoria
pra sentir-se triste, sentir-se solidão.

Eu parei minha vida
pra pensar nisso,
pra sentir tua carência de abraço
Que não acaba com abraço.
Eu fiquei um pouco triste
e não descobri nenhum verso
nem uma palavra
que valesse à pena.
Só a pena de sentir
e não saber dizer, como se meu acolhimento
fosse entender sua tristeza
sem palavras... em silêncio.

A gente não pode medir a vida.
Não saber é um distanciamento pra menos.
A arte não quer servir

des-essência

Escrever só por escrever
soava como transar só por transar.
Parecia nadijetividade, rotina.
Mesmo assim eu escrevi
e não odiei a minha rotina.
Era um dia feliz na vida.
Ela cantava baixinho por baixo de um sorriso incontido
enquanto o elevador descia.
No sexto andar entrou um senhorzinho de boina xadrez:

- Boa tarde moça!

- Ótima e um lindo sol detrás da chuva fresca.

- Ah o tempo... o tempo é sempre bom.

- Falar do tempo assim como clima é um pouco simplista... não?

- Falo do tempo sem temporalidade, o tempo das cozinheiras, o tempo dos pedreiros e dos feirantes, o tempo dos meninos. O outro tempo eu não falo, é ele quem fala, por si só, no meu rosto, nas minhas mãos e no esquecimento.

O que você não quis ouvir eu te escrevo

É desse jeito mesmo. Não adianta negar.
Só aceite, sem lamúrias ou maldições.
A minha liberdade não termina onde começa a do outro,
ela atravessa o outro enquanto sou atravessado pelos outros,
constantemente.
Vale pra todos, não só eu ou você ou eu e você.
Liberdade é um ideal de uma sensação que a gente sabe
sem experimentar na plenitude.
Liberdade mora lá no horizonte da consciência.
Não se engane, não houve um tempo em que era melhor
nem pior. Houve o movimento, ouve o movimento?
É o mundo... rodando sem por que.
Quem inventou esse papo de normal também
não chegou a se conhecer a fundo.
Eu não sei concordar com a idéia de que
estar normal seja melhor do que estar anormal.
Nem pior. São estares, apenas.
Nem é questão de filosofia ou academicismo.
É antes uma visão humanistica sobre o próprio homem.
Mas parece que a gente tá sempre falando do capeta.
É, eu concordo mesmo com o joão bosco...
a raiva e a fome é coisa dos home!