Aurelianos e Arcadios

Fugido pra lugar nenhum
é assim que não começa
um século já começado.
Delirado de mil descobertas.
Guerrea, guerrea, guerrea,
tanto,
que nem sabe mais falar - a não ser
à força d'armas - ou sabe? Ah sabem... se sabem!
Mas só se ouvem tiros,
as palavras não acabam, as balas sim.
Talvez quando quem sabe a guerra acabe
voltem a falar - não em armas, falar de nada que não seja silêncio.
Irmão fugido também, pra lugar nenhum.
Colossal era este quando partiu onde a memória ainda alcança visão.
Nada d'outro tinha, nem o olhar entrante,
nem o delírio das invenções.
Só as primárias humanas necessidades.
Tinha era uma falta! De raíz, de identidade.
Era isso.
Tinha era uma falta! E nada mais.
Tanta força bruta sem causa.
Natureza.
Feroz à toa.

E nos acampamentos
ama sem amor as meninas noturnas
que lhe oferecem, não é deus, mas é Coronel.
Ama-as sem amor e sem palavras,
mais morto do que vivo, é disso lhe fazem respeito.
Carrega consigo alojadas quantas balas,
cicatrizadas quantas facas frias.

Todos esquecidos.
Uns pela guerra, outros pelo mundo,
pelos mares tantos, debaixo de mil tatuagens
gravadas sem razão, como fossem mapas de todas as passagens
já passadas.
Um,
olhar entrante
inventiva curiosidade.
Outro,
olhar de bicho
viajante sem destino adotado dos ciganos.

E depois de depois da guerra
a guerra não acabou. Envelheceu,
como eles que não morreram.

Aureliano, da alquimia
fez peixinhos de ouro por distração,
porque falar... não falou.
Um dia enlouqueceu e por pena
o amarraram ao carvalho, e pois falou,
ao morto que ele mesmo matou, Prudêncio Aguilar.
Falou por perdão que quis.
Queimado de sol, mofado por dez anos de chuvas.
Lá ficou, mesmo quando o soltaram.
Miserável.

Arcadio muito soube e muito viu.
Muitas gozou,
mortes e mulheres.
Arcadio nada soube e nada viu.
Incestuoso como o mundo inteiro
visceral sem poesia. Não sonhou,
depois do amor da jovem cigana.
Seguiu apenas.

Lembram-se os dois da vez primeira
a ver, tocar o gelo - o que queima frio.
Das histórias de Melquíades,
dos tapetes voadores e a sentença imantada:
"As coisas têm vida própria."

Aurelianos e Arcadios
irmãos de solidão que se misturam,
misturaram, entre os tantos filhos, netos,
Segundos e Terceiros todos primários
viventes nessa terra inventada
pela fantasia de quem aguenta
o que real pesa bem mais que o ar.

Entre Odair José e a Subversão


A indústria da cultura(termo frankfurtiano), tem a incrível capacidade de absorver todo tipo de valores: morais, éticos, culturais e artísticos, destituindo-lhes de sua essência prima: a subjetividade criativa, a subversão, a negação da ideologia afirmativa tão defendida pela unificadora ciência moderna e de meio século pra cá defendida também pela grande mídia. Começo dessa maneira o artigo, para que possa partir em defesa de sujeitos muitas vezes menosprezados e ridicularizados pelo mal juízo que deles fazemos sem sequer nos permitirmos uma prévia reflexão.
Odair José, cantor popular(parece que não sabemos mais definir o que é e o que não é popular quando se trata de música) brasileiro, é mais que o sujeito, a ideologia que defenderei nessas pretensas linhas. Não nego que eu também o enxergava como mero "brega-star" de rimas e acordes fáceis até o momento em que me cobrei procurar saber mais. Por isso é compreensível a surpresa primeira de quem se depara com o título deste artigo, mas previno-o leitor, não duvide do mesmo.
Durante a ditadura, teve início uma campanha do controle de natalidade que distribuía pílulas anticoncepcionais para a população. Foi aí então que Odair José compôs ingenuamente ou não a música "Uma Vida Só", que tem por famoso o refrão "pare de tomar a pílula porque ela não deixa nosso filho nascer", a música foi censurada.
A subversão de Odair José era além de tudo visionária, no começo da década de 70 ele compõe a música "Deixe essa vergonha de Lado" que conta a história de amor entre um rapaz e uma empregada doméstica que se envergonhava da própria condição, nessa época a profissão de doméstica não era reconhecida ou legalizada. Pouco tempo depois isso mudou, sendo incorporada gradativamente com acréscimos de direitos e benefícios. A música lhe rendeu o apelido de "o Terror das domésticas".
Prosseguindo na onda subversiva e visionária de Odair José não poderia me esquecer da célebre música "Vou tirar você desse lugar". Ora, compor uma música na qual ele revela a paixão por uma prostituta em plena ditadura, sem contar o natural conservadorismo moralista de uma sociedade hipócritamente Cristã, não era pouco. Somando-se a essas composições algumas outras nas quais ele fala abertamente de sexualidade e da falsa necessidade de estar legalmente casado para a realização do amor, ele gera uma grande polêmica e é excomungado pela Igreja Católica.
Em 1979 ele grava o seu disco de menor vendagem e ao mesmo tempo de maior originalidade e sofisticação, a ópera-rock "O Filho de José e Maria". Vale à pena ouvir e descobrir o lado rock'n roll de Odair José.
As artes em geral, assim como toda forma de expressão da cultura de uma sociedade, devem assumir seu caráter mais puro e essencial de criação que na maior parte das vezes não corresponderá aos valores impostos por essa ditadura de ideologias em que vivemos, em que tudo que é bom e bonito deve estar na prateleira. É necessária a superação desses valores através da subjetivação de indivíduos que buscam incessantemente a liberdade mais plena do homem. Seja subversivo, não subserviente! Se a nossa expressão não representar uma ruptura com tudo o que está, ela não passará de mera legitimação desse sistema regulador de idéias e pensamentos. E para tanto, todas as formas de expressão merecem devida atenção, pois não é único o caminho para a transformação efetiva a nossa volta. A revolução precisa ser atuante em todas as esferas sociais para ser de fato, revolução. Cabe a nós encontrarmos os nossos muitos caminhos e reconhecermos o valor dos caminhos alheios nesse mesmo propósito, ainda que não combinado. Defendo o marginal, o mambembe debaixo da ponte, defendo o subversivo, o contestador, o que diz não! Abraço as ideologias e o seu movimento-fruto, pixado no muro, nas línguas e nas mãos que clamam e que gritam! Todos os estilos e esforços pela liberdade! Afinal de contas companheiro, a subversão também pode ser brega.

Para Nequinho

Nequim deslendo
por tortas linhas
sobre o não chegar
[comeu formigas de olhos tristes]
Em triz teceu olhar!

Roda moínho
canta o molhado
mói sem sozinho
pisa o pé pára parado.

Do olho mundo
quintal sem fundo
pra lá dessas Geraes...
Curral de casa e pó de poeira,
pedra por pedra um só cochilar.
Reticenciado
menino novo
sombra miúda
amanhecido de esperar.

Nequim de asas
(casulo casca)
mexericas no pomar.

perdido

Coitado,
Lá vai ele.
Parece bêbado,
a perna não sei, jeito de quem
não acredita na firmeza do chão
ou
do próximo passo.
Mas vai,
não deixa de ir;
talvez tenha planos mais pesados
que o jornal velho - não censurado,
não lido - .

Pena,
não dessa de sentir,
pena mesmo, de algum bicho que voa
ou
que quase voa. Pena,
não do outro que vai sem saber,
pena dessas, de escrever as próprias penas
cumpridas em liberdade condicional;
sem juíz nem advogado,
sem carrasco nem defensor;
repleto de testemunhas desacordadas.

Ah!...Era tão evidente o meu crime!
Daí o passo perdido da história,
pesar essa sensação de estar: perdido.
Danem-se as balanças,
Danem-se como eu me dano, danem-se mais
que a vida não se pesa a não ser nos olhos
e nas mãos; nas vozes...
Dane-se o pobre poema
está tudo perdido mesmo.

desconsagem

Palafras, ex padas,
palmarvas, Tonícius cantino
latano, ex curo, capicial inflerte abiscenium.
Mutança matádegas caíca cobranco eleitente.
Ex pinhos, pedraço sorvantes.
Antigualdo relésquito pelentro lunagem
colãnscito paríncete ovante desnarcolo catétre parmênfases.
desbaivos xavanco marval salgora pustagem blicapo.



*acho que se eu continuar nunca mais volto a falar como antes...
grande dúvida: será verdade ou possível falar o novo e ainda ser como antes?

O que Há

Há que se escrever
o já escrito. Reescrever. Repito.
Até não se saber mais nada.
E largar o pouso perdido
das palavras.

Escrever:

Lua,
por sensação de só.
Solidificar se à altura das
cores.

Há que se escrever
sobre o suspenso estar
observador.
Escrever, reescrever, subscrever,
circunscrever a própria
imprópria desleitura.
Consoante ao medo infante
[salvo todos os piratas]
a abertura delirante
de vogais efêmeras.

Há que se escrever
o crime dos que não pagam,
dos que não pedem,
dos que não podem.

Há que se escrever
as cebolas choradas por décadas,
descascadas em versos,
temperadas na solidão
das facas; cegadas de vento,
acostumadas aos calos das mãos de Maria,
aos dedos atrofiados de Úrsula.

Há que se escrever
logo pela manhã, depois do café.
Escrever: noite
e seu negro manto escorregadio.

Há que se escrever
sem pensar
a libertação das vozes
carentes de substância,
recolher o som
e ouvi las.

Há o que há,
escrito
ou
ainda por ser.