desconexões neuro-globais

Chego suado do futebol.

- ah o futebol, esse instinto que nasce com a gente, tipo o samba. Expressa a nossa subjetividade.

E por mais que eu goste de banho quente, é fato, tenho que mudar a estação do chuveiro.

Estação do chuveiro?!

De inverno pra verão. Que loucura, o inverno e o verão dos chuveiros.
Normalmente eu teria cantado no banho imaginando como se o registro do chuveiro(que é a mesma coisa que a maçaneta da torneira)fosse o microfone.

Mas essa idéia de que podemos medir - e medimos - as épocas e estações da nossa vida de acordo com o chuveiro e a temperatura da água me distrai do meu pequeno festival de higienização.
Os banheiros são realmente lugares importantes na vida das pessoas.

É ridícula essa percepção e mesmo assim é válida. Porque se hoje em dia as estações são percebidas através do chuveiro que não bate mais com as datas, a culpa é do aquecimento global provocado principalmente à partir da segunda revolução industrial que faz o verão no meu chuveiro em pleno inverno de agosto. Papo de ECO-CAPITALISTA.

- eu não como eucalipto porra!

E se eu quisesse tratar o tema aquecimento global de uma maneira digamos...
Freudiana? Seis bilhões de pessoas querendo transar. Seis bilhões de pessoas se articulando, se mentindo, se matando, construindo casas, comprando carros, frequentando salões de beleza, fazendo plástica, fazendo artes plásticas, comendo batata frita, estudando filosofia, malhando(que é a mesma coisa que pagar pra trabalhar), comprando armas, usando drogas e tudo por SEXO!

[se você pega quatro celulares, dispõe eles em forma de cruz, um grão de milho no meio e faz uma ligação entre os quatro celulares: o milho estoura.]

sabendo então que os seis bilhões de sexopatas do mundo não transam sempre que querem, podemos inferir que eles se masturbam.
Pronto. Aquecimento global é uma questão sexual.

às vezes eu acho que o futebol é uma invenção melhor que a linguagem.
Assim como a língua expressa a mentalidade de um povo o futebol é. Só que com a língua você pode mentir. Como seria mentir no futebol? Talvez o Garrincha tenha mentido contra os suecos.

Fugindo à perspectiva artística e libertadora do futebol, Copa do Mundo 2014 brasil minúsculo, com s ou z?

A questão é: a mesma platéia que celebrou vuvuzelas e jabulanis na apartada África do Sul(e que pelo foi dito nas tv's e jornais, um verdadeiro sucesso)pretende agora se esbaldar nesse grande Éden legalize do mundo chamado Brasil.
Mas os mesmos jornais que noticiaram o sucesso da Copa na África tão progressistamente beneficiada por essa bênção concedida pelo primeiro mundo, estão preocupados com a favela da Rocinha. Favela, Rocinha, resistência, guerra e repressão, fico pensando se o Nem não é uma espécie de Antonio Conselheiro tristemente reprimido e fragmentado, alimentado pela violência do Estado. O problema do Brasil é que tudo que há de resistência nele hoje não se reconhece assim. É a merda da consciência de classe.

Quem vai fornecer as drogas pros gringos?

O conceito de alienação é bem simples: uma projeção mental sua que de algum modo passa a te submeter. Dois exemplos: dinheiro e deus.

Outdoors, desodorantes, novelas espíritas, auto-ajuda, como ganhar seu primeiro milhão, dez passos pára o sucesso, flores alucinógenas e a polícia.

- Quem é de esquerda aqui? Onde estão o bem e o mal?

à favor dos camelôs e dos mendigos e da pirataria fundiária. O morro tem só que lembrar pelo que luta, de Joãozinho bem-bem a Fernandinho Beira-mar alguma coisa se perdeu, que se fodam se são meros narco-capitalistas:

- qual a diferença entre uma farmácia e uma farmácia num beco?
- na farmácia você às vezes precisa de receita, na farmácia no beco você nunca precisa de receita.

Também tem o seguinte, etiqueta não dá onda e traficante não é sonegador. Será que a tão estimada Economia Global não reconhece as transações endoladas? Explodam os cães do governo, eu sempre odiei esses capachos filhos da puta! Até onde eles são o que são? O que eles são, e se são, são da farda pra fora ou da farda pra dentro?

Até hoje estamos sendo descobertos e colonizados e conquistando e reconquistando esse país rachado dos coronéis e colarinhos avarentos. É bem como dizia o Rasga-em-baixo:

- mal de urubu é achar que o boi tá morto.

Carta Engavetada

Não é uma questão de contradição. Nunca foi.
O fato é que eu vivi por muito tempo buscando o que há
entre o sim e o não que não fosse o talvez. Leva tempo até que se descubra que o sim, não é absolutamente a negação do não e vice-versa. Eu queria que você imaginasse como se o não fosse o nunca e o sim fosse o sempre, como se o não fosse o nada e o sim fosse o tudo. Esses dualismos que fazem nossas vidas quando colocados nas mãos dos por quês sem resposta exata.

O amor também é dialético meu bem...

Hoje em dia eu não ponho tanto ferro sobre as coisas que admiro. Sei agora que não pode-se exigir o exato esclarecimento de algo que é essencialmente: mistério.
Não há nada tão bonito quanto o que é inútil por falta de razão e inexato por não ser estático. O mundo é relativo, o relativo é relativo, a língua é entonação e o amor é um rio correnteza que não adivinha as próprias curvas.

Se a resposta foi sim, se a resposta foi não, o que importa é a sombra das palavras escondendo o sentimento irracional sobre si mesmas. Nada mais justo que a resposta seja sim e não ao mesmo tempo. Era só uma velha mania sobre nossas decisões de ser preciso e paralelo tudo o que viver. Não há o menor vestígio de problema ou contradição.

Hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã e é tão hoje quanto ontem era profundamente hoje no seu devido presente. A palavra hoje mais que o estar hoje é o perfeito sim e não sintetizado do tempo. Sustentamos nossa temporalidade com palavras, com linguagem. Fora do corpo, fora das palavras o tempo não é mais que uma sucessão de graus e fenômenos espacialmente sensíveis.

O amor também, dialético por existir sempre habitando em palavras e significantes transitórias. Daí a plenitude das mãos e o tato absoluto. O tato é a palavra vociferante dos corpos.

Me apego às palavras que me remetem ao sentimento inominável que só meu tato poderia saber de novo. O corpo também guarda suas memórias de calor e talho, memórias de prazer e dor.

Te peço teu sim e teu não porque do amor não se destilam apenas concordâncias.
Te escrevo mil cartas que nunca envio e que se perdem pelas frestas de filosofias desimportantes.

Não sei mandar beijos através de cartas engavetadas.




p.s.: Só a saudade é um conceito ilógico e absoluto.

interlúdio

Arranco e rasgo o que sem mais escrevo
O engasgo manco faz nem qual - não vejo,
Colhido espanto sorte azar de um trevo
Afronto ouvido(bazar)sem norte em branco.

Talhado o vento,
abraço a noite,
descuido os pés,
Mordido o bicho,
veneno sem cura,
palavra lavra.

Desminto entesto o fundo não mente
só sabe a sina deserto sem sol,
não se põe do mundo nem se da montanha,
faz curva simples onde não te amanheces.

O peixe esquece,
as pedras dormem,
rio se segue,
sombra é verdade,
canoeiro desce,
eu meus interlúdios.

de-Talhos

Um brinde às flores recusadas,
um brinde às cartas de amor rasgadas.
Brilham muitos olhos e estrelas
as taças borradas de batom celebram suas indiferenças,
celebram a postura ereta com que se mentem.
E mentem o quanto podem
só pra enganar os medos. Tolice,
mais cartas serão escritas, lidas e queimadas. As flores,
secarão e quem sabe pétalas secas serão guardadas
entre páginas de livros que não tornaremos a ler.

Um brinde aos corações partidos,
um brinde aos corações intactos que ainda se partirão.
Intenciono meu copo cheio na lembrança dos cancioneros bêbados,
dos poetas tortos e dos amores abortados.

Salvo se eu bastasse, então não seria trágico,
mas não me basto. Tragédias de deuses e homens nos comovem
e nos justificam os males. Somos feitos de detalhes,
amamos e odiamos por detalhes: como escolher rasgar ou não aquela fotografia. Como
abrir os olhos antes de o beijo acabar.

meu calmo relógio

Meu relógio é calmo por outras urgências,
a vida é preciosa fora do tempo
enquanto as formigas andam em fila
e você sustenta toda sua graça na ponta dos pés.

Hoje me sinto mais rio do que mar,
mais vento do que fogo.

Quando eu canto é como descarrilhar
minha saudade. Não sei se ainda quero ser herói,
música na curva de um rio,
saudade na curva de um rio,
um rio na curva de um rio, uma pedra.

Uma melodia que lhe faça dançar
um olhar que se esconde como pode por medo de gostar... já gostou.
Saudade é palavra atemporal,
deixa eu ter saudade de semana passada
que o meu calmo relógio tem outras urgências
e não cuida do tempo, pousa num beijo cristalizado.

É o segredo de um outro segredo.

Crônica de um poeta sem caneta e papel

Um dia
você resolve tomar uma cerveja na rua
sem combinar nada com ninguém.
Não que você não queira nenhuma companhia em especial(e você não quer),
simplesmente porque você não está aflito
e isso é quase raro. A caminhada até o bar, nessas condições(inexistentes),
é absolutamente triunfal - a calma pulmonar.

No bar
o lugar da calçada, a mesa menos extravagante,
o garçom é um senhor que me parece bem simpático mesmo não sendo e que me lembra um personagem garçom de um filme que fosse inspirado nos personagens de Márquez e que talvez só por isso me pareça simpático.

Peço-lhe a cerveja mais barata, que a meu ver não é a pior, sendo que eu não julgo
pelo preço.
Como não há nada combinado, não é tarde nem é cedo. A cerveja quando bebida assim
sem quando é definitivamente mais gostosa. O poder que você se confere a si mesmo
ao se independer uma noite, te torna notável para as pessoas,
ou por elas te acharem triste(o que é mais comum)
ou
por te acharem estranho, o que é diferente de triste. Estranho,
de certa forma é só o princípio de outros conceitos e concepções. Estranho,
pode ser atraente ou louco ou imprevisível, o que é diferente de triste. Estranho,
é o fato de eu me referir ao interlocutor como "você" e "eu" alternadamente e isso poder ser considerado romântico. Eu sou romântico comigo mesmo. Ou melhor, com você.

Ah! Eu me divirto.
Quantas conversas bebendo uma cervejinha comigo mesmo.

Mas o fato é que a maior parte das pessoas te acham triste por beber sozinho,
certamente porque você só pode estar na fossa ou ser um doido e por isso não tem amigos. Porque
para elas só esses motivos justificam um homem beber sozinho ou só esses motivos seriam suficientes para que elas bebessem sozinhas. E então eu penso:
o que falta às pessoas é elas serem românticas consigo mesmo.

Besteira...

fica parecendo auto-ajuda, auto-romantismo. Não são românticos nem com as mulheres,
tanto que muitas se assustam quando não riem por parecer cafona ou ridículo. Não que tenha que necessariamente haver algo de cafona ou ridículo no romântico, mas aí eu lembro da Bethânia recitando o poema das cartas de amor ridículas das quais falava
o Pessoa e já pouco me importa que eu seja ridículo e até beire a cafonisse
ou que eu cometa pequenos delitos aos olhos dos outros, porque eu me sinto mais Fernando
e tomo mais um gole de gelada enquanto engulo olhares subjetivos.

Depois eu digo:
- Fernando Pessoa está acima de contestação! E ele me deu licença
para ser ridículo. Obrigado a todos, eu sou ridículo. Digo isso sorrindo como um canastrão.

Agora suspiro e penso: parece realmente que as melhores idéias, os melhores poemas,
os maiores delírios da palavra estavam todos lá, não lembro se era uma sexta ou um sábado a noite, mas eu fui sozinho, confiante, triunfal,

o garçom, o bar, a cerveja gelada e barata estavam lá, a inspiração igual uma menina
brincando nos meus olhos
e era uma encruzilhada, um lugar de poder, as mulheres passavam perfumadas
e me olhavam nos olhos, eu era um forasteiro solitário talvez estranhamente convidativo, eu estava repleto de poesias mas era um poeta sem papel e sem caneta,
com pensamentos que rasuravam e se sobrepunham uns aos outros
enquanto olhava as mulheres passarem e o triste vendedor de rosas vermelhas. Então pensei que na verdade o vendedor de rosas vermelhas vende rosas sozinho,
eu bebo sozinho,
e o vendedor de rosas vermelhas é mais triste do que eu. Eu vejo isso.

Acho que de agora em diante eu vou levar uma tristeza de vendedor de rosas, uns papéis no bolso e um lápis apontado já
até a metade, principalmente quando eu for sem quando e as condições não forem mais
que a cerveja barata e gelada.