Crônica de um poeta sem caneta e papel

Um dia
você resolve tomar uma cerveja na rua
sem combinar nada com ninguém.
Não que você não queira nenhuma companhia em especial(e você não quer),
simplesmente porque você não está aflito
e isso é quase raro. A caminhada até o bar, nessas condições(inexistentes),
é absolutamente triunfal - a calma pulmonar.

No bar
o lugar da calçada, a mesa menos extravagante,
o garçom é um senhor que me parece bem simpático mesmo não sendo e que me lembra um personagem garçom de um filme que fosse inspirado nos personagens de Márquez e que talvez só por isso me pareça simpático.

Peço-lhe a cerveja mais barata, que a meu ver não é a pior, sendo que eu não julgo
pelo preço.
Como não há nada combinado, não é tarde nem é cedo. A cerveja quando bebida assim
sem quando é definitivamente mais gostosa. O poder que você se confere a si mesmo
ao se independer uma noite, te torna notável para as pessoas,
ou por elas te acharem triste(o que é mais comum)
ou
por te acharem estranho, o que é diferente de triste. Estranho,
de certa forma é só o princípio de outros conceitos e concepções. Estranho,
pode ser atraente ou louco ou imprevisível, o que é diferente de triste. Estranho,
é o fato de eu me referir ao interlocutor como "você" e "eu" alternadamente e isso poder ser considerado romântico. Eu sou romântico comigo mesmo. Ou melhor, com você.

Ah! Eu me divirto.
Quantas conversas bebendo uma cervejinha comigo mesmo.

Mas o fato é que a maior parte das pessoas te acham triste por beber sozinho,
certamente porque você só pode estar na fossa ou ser um doido e por isso não tem amigos. Porque
para elas só esses motivos justificam um homem beber sozinho ou só esses motivos seriam suficientes para que elas bebessem sozinhas. E então eu penso:
o que falta às pessoas é elas serem românticas consigo mesmo.

Besteira...

fica parecendo auto-ajuda, auto-romantismo. Não são românticos nem com as mulheres,
tanto que muitas se assustam quando não riem por parecer cafona ou ridículo. Não que tenha que necessariamente haver algo de cafona ou ridículo no romântico, mas aí eu lembro da Bethânia recitando o poema das cartas de amor ridículas das quais falava
o Pessoa e já pouco me importa que eu seja ridículo e até beire a cafonisse
ou que eu cometa pequenos delitos aos olhos dos outros, porque eu me sinto mais Fernando
e tomo mais um gole de gelada enquanto engulo olhares subjetivos.

Depois eu digo:
- Fernando Pessoa está acima de contestação! E ele me deu licença
para ser ridículo. Obrigado a todos, eu sou ridículo. Digo isso sorrindo como um canastrão.

Agora suspiro e penso: parece realmente que as melhores idéias, os melhores poemas,
os maiores delírios da palavra estavam todos lá, não lembro se era uma sexta ou um sábado a noite, mas eu fui sozinho, confiante, triunfal,

o garçom, o bar, a cerveja gelada e barata estavam lá, a inspiração igual uma menina
brincando nos meus olhos
e era uma encruzilhada, um lugar de poder, as mulheres passavam perfumadas
e me olhavam nos olhos, eu era um forasteiro solitário talvez estranhamente convidativo, eu estava repleto de poesias mas era um poeta sem papel e sem caneta,
com pensamentos que rasuravam e se sobrepunham uns aos outros
enquanto olhava as mulheres passarem e o triste vendedor de rosas vermelhas. Então pensei que na verdade o vendedor de rosas vermelhas vende rosas sozinho,
eu bebo sozinho,
e o vendedor de rosas vermelhas é mais triste do que eu. Eu vejo isso.

Acho que de agora em diante eu vou levar uma tristeza de vendedor de rosas, uns papéis no bolso e um lápis apontado já
até a metade, principalmente quando eu for sem quando e as condições não forem mais
que a cerveja barata e gelada.

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