Carta Engavetada

Não é uma questão de contradição. Nunca foi.
O fato é que eu vivi por muito tempo buscando o que há
entre o sim e o não que não fosse o talvez. Leva tempo até que se descubra que o sim, não é absolutamente a negação do não e vice-versa. Eu queria que você imaginasse como se o não fosse o nunca e o sim fosse o sempre, como se o não fosse o nada e o sim fosse o tudo. Esses dualismos que fazem nossas vidas quando colocados nas mãos dos por quês sem resposta exata.

O amor também é dialético meu bem...

Hoje em dia eu não ponho tanto ferro sobre as coisas que admiro. Sei agora que não pode-se exigir o exato esclarecimento de algo que é essencialmente: mistério.
Não há nada tão bonito quanto o que é inútil por falta de razão e inexato por não ser estático. O mundo é relativo, o relativo é relativo, a língua é entonação e o amor é um rio correnteza que não adivinha as próprias curvas.

Se a resposta foi sim, se a resposta foi não, o que importa é a sombra das palavras escondendo o sentimento irracional sobre si mesmas. Nada mais justo que a resposta seja sim e não ao mesmo tempo. Era só uma velha mania sobre nossas decisões de ser preciso e paralelo tudo o que viver. Não há o menor vestígio de problema ou contradição.

Hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã e é tão hoje quanto ontem era profundamente hoje no seu devido presente. A palavra hoje mais que o estar hoje é o perfeito sim e não sintetizado do tempo. Sustentamos nossa temporalidade com palavras, com linguagem. Fora do corpo, fora das palavras o tempo não é mais que uma sucessão de graus e fenômenos espacialmente sensíveis.

O amor também, dialético por existir sempre habitando em palavras e significantes transitórias. Daí a plenitude das mãos e o tato absoluto. O tato é a palavra vociferante dos corpos.

Me apego às palavras que me remetem ao sentimento inominável que só meu tato poderia saber de novo. O corpo também guarda suas memórias de calor e talho, memórias de prazer e dor.

Te peço teu sim e teu não porque do amor não se destilam apenas concordâncias.
Te escrevo mil cartas que nunca envio e que se perdem pelas frestas de filosofias desimportantes.

Não sei mandar beijos através de cartas engavetadas.




p.s.: Só a saudade é um conceito ilógico e absoluto.

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