Santanejo

Zaqueu engarrafava mistérios com a maestria de dedos sabidos, de mãos sabidas. Não se faz teatro qual preto velho. Preto velho é que faz vida qual teatro. Como que nem fosse. Engarrafar mistérios nunca foi serviço de qualquer antigueza. Não bastam muitos anos contados, o que vale mesmo são os não feitos momentos. Lilo olhou muitos anos praquela pedra grande; talvez pra sombra dela. Um dia Lilo pegou um martelinho, uma faca cega, sua fé amolada e saiu como se fosse um viajador. Desajeitado um gavião revoou pela soleira de Zaqueu e derrubou o mistério que ele engarrafara no dia em que Lilo aconteceu; porque Lilo aconteceu! [foi um dia muito atípico aquele. Lilo simplesmente aconteceu como acontece um temporal de de repente, um barro virado gente com uma voz de não sei quê e uns olhos assim azulejados]. O mistério desengarrafou se, o vidro se partiu, subiu uma nuvem desenhada de muitos santos esculpidos em pedra por um martelinho, uma faca cega e uma fé amolada de Lilo do barro com par de olhos de azulejo que inventou silencioso o próprio dom. Depois ficou um cheiro de céu no ar. Aqueles anos todos olhando aquela pedra grande, aprendendo sua sombra que sem forma o mundo é mais, ouvindo o mais que velho Zaqueu com seu chapéu de palha e mãos de nuvem fresca. Aprendeu com as ladainhas de velhas romeiras sertanejas, cavando poço fundo e purificando a água com semente de cabaça. Lilo era solidão e caatinga, sem medo de num ser. Lilo aquele dia em que a ladainha não cantou e em que Zaqueu não comeu farinha entendeu que a alma é matuta no caminho; e que a inspiração é a própria necessidade.

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