Memórias de uma puta triste
Postado por
Vital
on domingo, 17 de outubro de 2010
Ainda era muito menina quando me apaixonei pelo primeiro que chegou como quem vem do florista, era bonito e bem dotado. Ele doeu em mim muitos começos, mas ai, foi aí que descobri, eu gostava mesmo de sangrar, de ser marcada. Só não sabia que o amor pode não ter passado ou memória. Ilusão de florista que se descuida outonal. Entendi depois que o amor é um caduco com o vigor dos vinte anos ou uma criança com o tesão adolescente. É mesmo um impulso que só é sincero até o momento de gozar. Eu não gostava de sangrar e ser marcada, a verdade é que eu só gostava se sangrasse e fosse marcada. Mas não acho que o amor seja só isso. A gente guarda ele pra noite, igual as pedras guardam o sol do dia. Bobagem dizer que a temperatura estável do corpo seja de trinta e sete graus, o corpo guarda em si o calor dos amantes bem ou mal amados. É assim reconheço as pessoas, através da história que seus corpos me contam. Se se desgastaram ou ficaram frios e ensimesmados, se ardem febris e são violentos, se querem ficar ou estão só de passagem. E sei ao primeiro toque se será um homem que meu corpo vai guardar ou esquecer. E há tantos desses seguindo meus passos na rua de calçamento, me olhando famintos de trás de balcões, vitrines, guichês. Mas é certo que depois dos segundos e terceiros que vieram embriagados, desvalidos, aleijados, milionários, domesticados não importa! Depois de tantos, lembrados e esquecidos, é certo que não passei um dia sequer sem me lembrar de um específico, dos que chegam do nada, não me deitei com um outro homem sem que o comparasse com aquele especificamente. Comparo inevitavelmente os movimentos e a maneira com que me olham e o que dizem e o que calam. Se dormem comigo na primeira noite ou saem furtivos. Se me puxam os cabelos e contemplam o próprio membro me penetrando. Às vezes penso que o fato de ele não precisar ser o primeiro me fascina. Tive outros homens diante dele, só pra provocar nele qualquer ira, despertar na sua solidão a mesma paixão voraz com que ele me comia. Porque de primeiro me assustei com a idéia de não poder me despertencer e me dar a qualquer um por uma necessidade obstinada de ser só dele. Mas ele era cigano. Era do mundo. De todas as putas, madames, dondocas e carolas. Me perturbou pra sempre. Se me masturbo alguma vez hoje em dia, é sempre inspirada nele. Me esfregar com outros homens sem amá-los ainda que de um jeito efêmero, só pra testá-lo e ver que ele me olhava em silêncio, só serviu pra despertar a minha própria ira de não ser puta nem donzela, de não ser minha, nem dele nem de outro qualquer e me entreguei a ele com raiva. Horas à fio consumindo toda minha raiva de quatro, no seu colo, nas minhas unhas enterradas nele, em cada mordida selvagem. Me arrancando os gemidos, sussuros e gritos mais animais enquanto me olhava como quem diz, eu não quero ser o maior nem o primeiro, porque você já é minha, eu sei quando calar e quando te dizer que quero te ver gozar. E era exatamente assim que acontecia, e eu caía exausta livre de qualquer culpa, de qualquer raiva, em paz com aquela sensação de pertencida a qual eu tanto resistira. Então ele se virou, levantou, me olhou muito sério e me disse vestido, você não vale nada. Foi embora sem dizer mais. Foi embora sem voltar mais. E eu o comparo com todos os outros desde então. E não há uma noite que eu não pense nele enquanto me entrego a outros homens que nunca me terão da maneira que ele me tem.
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