"existe um espaço de silêncio intransponível mesmo nos mais íntimos amores."
Lya Luft
Sofro.
Sou incomensuravelmente solitário,
Existo no ermo entre as pessoas
esperançoso de não ter que ser compreendido - sem alheamento.
Amo a incerteza
cercado de grandes convictos.
Cuido que meu poema não rime,
que não lhes cause piedade ou comiseração.
Apenas percebam com olhos de cachorro
minha ilha sem pontes.
Porque Estamos Entregues
Postado por
Vital
on quinta-feira, 15 de março de 2012
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Não somos mais do que as memórias do que fizemos,
do que não fizemos,
arrependimentos sobre a própria condição
de existir e significar.
Ah, como doemo-nos vaidosamente na solidão remota,
como nos super-estimamos na fraternidade de um "bom dia",
simplesmente porque se não o fizéssemos talvez o mundo parasse de funcionar,
talvez precisássemos de construir mais árvores.
Que infeliz projeto,
não coubemos no mundo - que foi feito sem tamanho.
Mas ainda assim, me absurdo, me absurdo face ao meu próprio ser perplexo,
me absurdo porque palavras desgastam-se,
como qualquer engrenagem, como qualquer desespero, que se ameniza,
como se o ensaio falasse a verdade presa no medo,
subordinada à coragem! suspensa aos valores,
porque precisamos e nada mais.
do que não fizemos,
arrependimentos sobre a própria condição
de existir e significar.
Ah, como doemo-nos vaidosamente na solidão remota,
como nos super-estimamos na fraternidade de um "bom dia",
simplesmente porque se não o fizéssemos talvez o mundo parasse de funcionar,
talvez precisássemos de construir mais árvores.
Que infeliz projeto,
não coubemos no mundo - que foi feito sem tamanho.
Mas ainda assim, me absurdo, me absurdo face ao meu próprio ser perplexo,
me absurdo porque palavras desgastam-se,
como qualquer engrenagem, como qualquer desespero, que se ameniza,
como se o ensaio falasse a verdade presa no medo,
subordinada à coragem! suspensa aos valores,
porque precisamos e nada mais.
trecho de "Viva o Povo Brasileiro" de João Ubaldo Ribeiro
Postado por
Vital
on quinta-feira, 1 de março de 2012
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"(...) - Mas não é só por isso - respondeu ele - É também porque quero ir.
- Sim, eu sei, essa vontade também me dá - falou ela, para grande espanto dele, que esperava pelo menos uma risada irônica. - Eu sei que é verdade tudo o que pensamos sobre essa guerra e tudo o que pensamos sobre a situação de nossa terra, mas também esta é a nossa terra, é até principalmente nossa, que somos quase todos os que nasceram e vivem nela. Portanto, há alguma coisa nessa guerra que também é nossa, é a nossa terra, ou será um dia a nossa terra. Temos que resolver pelo que nós achamos, pelas nossas idéias, porque isso é necessário, mas não podemos esconder outras coisas, talvez miúdas, mas sempre existentes. Eu também sinto um arrepio quando se fala no Brasil, quando ouço os hinos e vejo o povo levantar os olhos para a bandeira. Pois não é nossa bandeira e é nossa bandeira. Eu é que não posso ir: sou mulher, sou bandida e tenho uma responsabilidade mais importante. Se eu deixar que essas idéias caiam, como vai ser? Mas tu não, tu podes ir, tu tens que viver isso também, lutar pelo que se ama sem se poder amar, pelo que é da gente mas se vira contra a gente, é de quem nos comanda na guerra para nos dominar na paz. É isso mesmo, talvez a vida seja assim, talvez tu aprendas alguma coisa que nos possa ensinar.
- Nunca pensei...
- Eu já, eu vivo pensando, eu já imaginava que tu ia querer ir, desde o Sete de Janeiro em que nosso pessoal esteve em Itaparica fantasiado de caboclada. E também penso o seguinte: será que, com essa guerra, as coisas não vão melhorar? O Exército tem sido sempre um bando de maltrapilhos desordeiros comandados por estrangeiros que desprezam tudo aqui, recheado de mercenários também estrangeiros, que também tudo desprezam. O Exército, que é de gente do povo, tem sido sempre a pior arma contra o povo, mais do que a polícia, mais do que a inquisição. E assim mesmo os poderosos maltratam os militares, não os querem receber em suas mansões, não querem suas filhas casadas com eles, não querem seus filhos na companhia deles. Talvez agora o Exército compreenda, depois de sacrificar-se pelos que ficarão em casa engordando, criticando suas ações e lhes enviando ordens impossíveis de cumprir, talvez agora compreenda que não pertence aos senhores, mas ao povo, não é a Guarda Nacional, mas a Guarda do Povo, não é a arma contra o povo, mas a arma para o povo. Talvez agora compreenda que o lado dele é o nosso lado, não o lado daqueles a quem serve, nem sequer a troco de migalhas, quanto mais da honra de servir seu próprio povo. Muitos deles voltarão heróis, cobertos de glórias e lendas, nenhum deles será mais o mesmo, depois dessa guerra. E tenhamos a esperança de que passem a ser como devem ser, passem a ser o Exército do Povo. Sim, vai, vai lutar no Paraguai, vai alentar teu pai, vai aprender fazendo e vivendo. Eu não tive pai, mas tive meu avô, que foi mais do que um pai, e uma vez ele fez comigo o que estou fazendo contigo agora. Vai, faz, aprende, ensina."
- Sim, eu sei, essa vontade também me dá - falou ela, para grande espanto dele, que esperava pelo menos uma risada irônica. - Eu sei que é verdade tudo o que pensamos sobre essa guerra e tudo o que pensamos sobre a situação de nossa terra, mas também esta é a nossa terra, é até principalmente nossa, que somos quase todos os que nasceram e vivem nela. Portanto, há alguma coisa nessa guerra que também é nossa, é a nossa terra, ou será um dia a nossa terra. Temos que resolver pelo que nós achamos, pelas nossas idéias, porque isso é necessário, mas não podemos esconder outras coisas, talvez miúdas, mas sempre existentes. Eu também sinto um arrepio quando se fala no Brasil, quando ouço os hinos e vejo o povo levantar os olhos para a bandeira. Pois não é nossa bandeira e é nossa bandeira. Eu é que não posso ir: sou mulher, sou bandida e tenho uma responsabilidade mais importante. Se eu deixar que essas idéias caiam, como vai ser? Mas tu não, tu podes ir, tu tens que viver isso também, lutar pelo que se ama sem se poder amar, pelo que é da gente mas se vira contra a gente, é de quem nos comanda na guerra para nos dominar na paz. É isso mesmo, talvez a vida seja assim, talvez tu aprendas alguma coisa que nos possa ensinar.
- Nunca pensei...
- Eu já, eu vivo pensando, eu já imaginava que tu ia querer ir, desde o Sete de Janeiro em que nosso pessoal esteve em Itaparica fantasiado de caboclada. E também penso o seguinte: será que, com essa guerra, as coisas não vão melhorar? O Exército tem sido sempre um bando de maltrapilhos desordeiros comandados por estrangeiros que desprezam tudo aqui, recheado de mercenários também estrangeiros, que também tudo desprezam. O Exército, que é de gente do povo, tem sido sempre a pior arma contra o povo, mais do que a polícia, mais do que a inquisição. E assim mesmo os poderosos maltratam os militares, não os querem receber em suas mansões, não querem suas filhas casadas com eles, não querem seus filhos na companhia deles. Talvez agora o Exército compreenda, depois de sacrificar-se pelos que ficarão em casa engordando, criticando suas ações e lhes enviando ordens impossíveis de cumprir, talvez agora compreenda que não pertence aos senhores, mas ao povo, não é a Guarda Nacional, mas a Guarda do Povo, não é a arma contra o povo, mas a arma para o povo. Talvez agora compreenda que o lado dele é o nosso lado, não o lado daqueles a quem serve, nem sequer a troco de migalhas, quanto mais da honra de servir seu próprio povo. Muitos deles voltarão heróis, cobertos de glórias e lendas, nenhum deles será mais o mesmo, depois dessa guerra. E tenhamos a esperança de que passem a ser como devem ser, passem a ser o Exército do Povo. Sim, vai, vai lutar no Paraguai, vai alentar teu pai, vai aprender fazendo e vivendo. Eu não tive pai, mas tive meu avô, que foi mais do que um pai, e uma vez ele fez comigo o que estou fazendo contigo agora. Vai, faz, aprende, ensina."