Minha Pátria

Nos campos de minha terra,
rola o suor
rola o sangue
petrificam-se os sonhos
e a terra cala.
Nos campos de minha terra,
não há glória nem frustração.
Todos já nascem morrendo de desnutrição.
São todas caladas as vozes,
calado o coração.
Não reconhecem qualquer rei,
nos campos de minha terra,
Coronel é sinhô e não há possível outra lei.
Nos campos de minha terra,
são mãos de deus que plantam e colhem,
mãos calejadas, sem olhos e sem ouvidos
que me alimentam poesias tristes,
ideais antigos... tão antigos quanto a terra funda.
Nos campos de minha terra,
os guerreiros não bebem cerveja.
Em noites sem lua quando se lembram o esquecimento
dos antigos, acendem fogueiras e dançam
a dança do seu passado fora do tempo.
Nos campos de minha terra,
há homens e mulheres apaixonados que morrem e matam
todos os dias por liberdade.
Nos campos de minha terra,
a sentença da vida é o sofrimento
e um amargo sentimento órfão dessa história de olhos abertos,
de feridas abertas, de veias abertas.
Nos campos de minha terra,
a vida não é televisionada e a poeira dos homens
transcende os mapas, as cercas e os tratados.
Nos campos de minha terra,
a mais profunda fantasia chora soluçando feito uma criança acuada,
solidão labial que herdamos junto com um florão do "novo mundo"
que não é nem nunca foi nosso, com um lábaro ostentoso e estrelado
de catequizadores jesuítas vestidos de negro,
sedentos de sangue, legitimados por um deus branco de barbas brancas.
Espelhar nossas histórias é um erro histórico,
somos desiguais.

Nos campos de minha terra,
não vamos nos curvar, não seremos dominados,
vivemos e fazemos a nossa própria história com o sangue e o suor latinos.
Nos campos de minha terra,
rasgada em pedaços ainda resiste a nossa identidade violada.
Nos campos de minha terra,
quero beber ainda a liberdade primaveril dos sonhos que não envelhecem,
e quando eu exalar o hálito de meu último suspiro suspenso no ar...
que me enterrem nos campos enfim livres de minha terra,
mas digam que eu sempre amei o mar.

Para José Saramago


Alguns homens, não qualquer homem,
raros, raríssimos são
e parece que foram sempre velhos e sábios,
sempre
tristes e belos.
José
mais um deles, fez da língua a nós comum
uma importância antes ignorada.
Tripulante solitário
de sua própria humilde nau,
falou sem travessões e não anunciou seus personagens
- o mar é impessoal -
e pois,
navegou José em busca da ilha desconhecida,
da vida fora dos mapas
porque de alguma forma pareciam todos os outros estarem cegos.
Avistou a terra, seguro porto em Lanzarote,
constava nos mapas como terra de Espanha,
aportou.
Não sendo desconhecida dos homens
contentou-se José por ser Pacífica.
Plantou sua casa, sua vida, seus livros
nesse pedaço firme em meio ao mar incerto.
Plantou às quatro da tarde
tendo o amor como Pilar.
José resiste aos ventos de sua ilha
que por mais conhecida
guarda ainda mil mistérios,
José resiste ao tempo porque é um homem raro
e caminha,
não há mal em olhar por vezes para trás,
na ilha nunca inteiramente explorada de José,
nunca inteiramente conhecida pé a pé,
há ventos por todos os lados
e uma bela triste calmaria inspirada
nos seus olhos úmidos translúcidos aos óculos,
ao tempo, à morte.




foto de Sebastião Salgado

Alquimia

Da varanda,
me vi eu - velho -
mirando o infinito.
O não fim: som de vidro parado.
Me vejo de fora de mim
[sem olhos]
sentado numa cadeira de balanço
ruminando a minha alquímica intenção
de cristalizar os sonhos, os beijos, as juras,
os amores;
eu querendo romper a fronteira que separa
o passado do futuro do presente. Descobrir
a poção que anula o tempo.
Eu velho-novo-velho inventando um cenário
que demora a velocidade do som,
um pedido que flutua à ausência de espaço.

Eu me mirando ao mirar o que infinito
só cabe no pouquinho de alma
que o olho derrama quando nada quer
além da intenção.
Eu absorto
contemplativo por todas as minhas vidas
escritas em livros de nuvens
e topos de morros solitudes,
eu com saudades sinceras
de cada pedaço que me encheu,
que me esvaziou,
eu amando o mistério
de não saber jamais.

Nossa história

Antes
eram os pais dos meus pais,
os pais dos pais dos meus pais
se continuando
se descarrilhando
na linha
do
Tempo. Se embebedando das loucuras
históricas - pra suportá-las.

Não passa de consequência,
enquanto não for causa.
Não é visível,
se não for plural.
Não basta o prazer
se não for livre.

Há muita história
oculta na soberba dos dominadores,
exposta, na miséria dos dominados.
De todas as formas mataram
os nossos pais,
os pais dos pais dos nossos pais,
como hoje nos matam.

Matam a nossa história
derrotada.
Roubam nossa identidade
e
nos identificam
em códigos de barra.

Passo por um antiquario
repleto de valores hipócritas,
Móveis de nobres
madeiras extintas, onde estáteis senhores caducos
guardam consigo grandes livros empoeirados
debaixo de suas capas pretas - fantasias
do poder.

Mas a história
não é um museu de objetos inanimados.
É o movimento
de muitos homens e mulheres,
governados por idéias
e loucuras. Pela fome e
uma vontade intransigente de ser.

A história
é o mais inconsequente dos atos
pela liberdade.

Um povo sem história
é um povo sem identidade.

Dexistência

O incompleto que sou
é a minha matéria.
O movimento da língua que diz:
- ainda
[me realiza,
e eu sou todos os meus não's
feitos de sombra.
Alheiamento
pela busca de identidade.
Quero a liberdade de saber negar
e nego! Por liberdade.
O Absurdo
é cheio de vãos
e furos e frestas.

A linha do tempo
enrolou,
deu nó, arrebentou, pegou fogo e
no meio da praça,
inventou o círculo,
morreu de velha.

Neguei a algema de meus relógios
pelo meu pulso.
Sem quando é o que eu quero
pela memória viva
das costas da história.

Sou mais o que quis
do que o que fui,
minha mais nobre substância
não chegou a ter forma,
realizou-se à razão do fogo
e pois, não se pensou.
De fato,
estou mais em minha sombra.
Onde sou sem me pensar.
Dormi à lembrança de muitas experiências.
O delírio sem dono é minha pouca verdade.