Cantiga para não morrer

Quando você for-se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.



Poema do inifinito Ferreira Gullar que partilho convosco nessa oportunidade.
*p.s.: me perdoem a falta das aspas, elas estavam atrapalhando a estética do poema.

Nós

De repente

na madrugada

nunca seria

tarde demais

pra nós

desatarmos os nós

que se fazem entre

nós


e deixar tudo assim

sem ponto


final

vida


Vida.

Nunca te sei definir. Singular
Talvez.

Entro no ônibus e
não sei,
Se o senhor ao meu lado - de todas as histórias que carrega, no corpo e na memória - já
viu o mar. Nem tampouco
sei se a menininha que aperta o nariz contra a janela,
com seus olhos ávidos de paisagem
um dia o verá.

Quanto a mim
Sinto saudade de ouvir o mar
respirar sua brisa salgada, colecionar conchas e abandonar o corpo...
estirado na areia. Assistindo ao trabalho das nuvens;

passageiras

Buzinas e fumaças interrompem minha surreal fuga
no meio do dia.

O ônibus segue seu circuito por ruas incertas
enquanto eu deliro.
Deliro,
e observo as pessoas. Paradas,
no ponto, fumando, de braços cruzados, olhos e olhares que se abrem e se fecham a
cada ângulo, perdidos ou vidrados,
no carro cinza da pista ao lado ou
Atravessando a avenida.

Ao meu redor.

Mania estranha essa de observar os outros.

Desço do ônibus.
Continuo sem te entender,
vida...
como vejo-a agora, transbordante, parece-me plural, ou melhor,
Plurisingular.

E o indivíduo, por mais individual que se pretenda, mistura-se às coisas da natureza
inevitavelmente.
Porque
todos os cacos de que faz-se a vida
estão repletos desse fogo
Azul
que há nas coisas naturais.

Caminho pela rua,

o caos em meio
e a vida ainda indefinida. Indefinível.

Abrindo

em cada esquina
seus olhos multicoloridos.



* a imagem usada é um quadro de Vladimir Kush

Conversa a dois

-Como venta por aqui hein?!

-Debaixo do sol todo vento é amigo.



Daí em diante nenhum verbo é capaz de dizer mais do que as mãos
sedentas de tacto.

A falta

Não quero me sentir assim
exilado de mim mesmo
do meu amor.

Espero um trem pra não sei quando.

Enquanto isso toco as cordas
do meu violão
Olho as nuvens se transformando
pelo vento seu artesão.

Tento uma palavra que acaricia...

não sei se consigo.

Palavra de poeta

Eu queria dizer tanta coisa
Que as palavras não são capazes.
E não ser esse poço de intenções verbalizadas
Que busca uma palavra pra traduzir o calor que há
No desejo dum abraço desejoso da pulsação alheia
Misturada em si.

Um homem
Por mais palavras que conheça,
Por mais palavras
que detenha em seu conhecimento.
Não pode jamais
Fazer das suas palavras: pele.
Ele até que tenta se vestir da própria poesia.
Mas ser poeta
é tão somente
Sentir no âmago da solidão
a espera doída das mãos vazias
e descobrir que nenhuma palavra é
por si só uma voz.

A palavra é papel.
Voz é tinta, vibração,
som.

A palavra é arquitetura.
Intenção é cor e moradia.

A palavra é tentativa e risco.
O amor é queda-livre.

Palavra é corpo...
dizê-la é alma.

Na Galeria

É no mínimo curioso observar as pessoas na galeria. Que são as mesmas em todas as galerias. Apesar das variações de maquiagens, roupas e treijeitos. Apesar das máscaras sociais com que cada um se veste ao acordar. Tudo isso só pra esconder o que ninguém quer ver, nem no espelho do banheiro de casa. Mas que todo mundo reconhece e tenta transfigurar, e quando pouco, tentam apenas ignorar. Mas ninguém consegue.
Muitas dessas pessoas que vejo caminhar pela galeria com olhares vidrados, curiosos e fortuitos parecem estar sempre enxergando seus propósitos e objetivos bem de perto. Como se em cada vitrine repousasse um novo ideal plenamente alcançável. E eu quase os invejo, quando me deparo com tanta certeza nos olhos e segurança ao andar. Mas eu sempre tropeço, incerto, na minha fixa idéia de que os sonhos e ideais mais sinceros não saem de moda nunca, não mudam de coleção, não vão pra ala das liquidações, só seguem(teimosos) suas próprias tendências... E muito menos acabam ao passo das estações.

sobre a vida das camas

É longa a vida das camas?

Elas estão de certa forma sempre lá
nos quartos.
Acolhendo amores de longa data, sonos puros e infantis
assim como efêmeras traições.

Sabem em silêncio tudo que se passa à sua volta
ou acima de si. Escapam-lhe
apenas rangidos
como se amassem também...
como se correspondessem aos amantes e seus gemidos.

Nada dizem as camas, pois não lhes cabe dizer.
Se limitam a acomodar e absorver os sonhos ternos que a povoam...
o calor, o suor e as marcas que os amantes lhe deixam.

O tempo também passa para as camas.
Elas também envelhecem
mudam de casas e quartos
passam pelas gerações
e quando não mais nos servem
quando ficaram demasiado velhas
damos para alguém.
Alguém que quase sempre a tratará
por nova.
E ela: a cama, leva consigo todas as histórias
que viu e viveu, os sonos profundos que dormiu... que fez parte.
Vai resignada
a caminho de tantas outras que ainda virão.

É longa a vida das camas.

sobre o amor

saudade combustível,
amor?
depende...
são tantas cores
tantos sons,
tantos amores,
em cada esquina me levo a crer que
em cada beijo, ou abraço amigo,
o corpo fala o que a alma esconde,
e a essência permanece a mesma.

Padrões são vilões,
rotina é uma menina má,
a seguidora dos certos.
Bem ditos sejam aqueles que amam errado!
me incluo,
e adoro sofrer:
não é atoa que se dizem experientes
aqueles que erram demais,
por amar demais.


Poema de minha bela amiga Nathascha


"Para as pessoas de almas grandes"

do Sossego

Tem dias em que eu me sinto inspirado...
assim como hoje.
Mas a vontade de escrever não tem aquela fissura descomedida
de dizer-se em toda a dor que sente
em todo amor que há.

É só a busca serena pela arte que desperta alguma beleza
nos olhos de quem vê.

É uma manhã repleta de sol
à deriva, em alto mar, sem medo de seguir
nem idéia de onde chegar
Porque na canção das águas
ouço silêncios coloridos a me convidar.

É leve o vento que me sopra
é doce o mar que me envolve
e os infinitos todos que me cercam
são tão parecidos com esse olhar...

a terra firme da ilha desconhecida está em mim
está em qualquer lugar
onde as melodias do sossego marejado
possam abrir as portas e entrar.