"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima experiência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome."
(De uma carta de Hélio Pellegrino.)
Tennis And The Feral Prodigy
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Vital
on segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
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"Seja um Estudante do Jogo. Assim como muitos clichês do esporte, esse é profundo. Você pode ser lapidado, ou pode ser quebrado. Não tem muito no meio. Tente aprender. Seja treinável. Tente aprender com todo mundo, especialmente aqueles que falharam. Isso é difícil. Companheiros que fazem um fiasco ou explodem ou despencam, dão no pé, desaparecem dos rankings mensais, pulam fora do circuito. Companheiros da E.T.A. esperando deLint bater discretamente em suas portas e pedir para conversar. Oponentes. É educacional. Quão promissor você é como Estudante do Jogo é uma função sobre o que você consegue prestar atenção sem fugir. Redes e cercas podem ser espelhos. E entre as redes e cercas, os oponentes também são espelhos. Esse é o porquê da coisa toda ser assustadora. Esse é o porquê de todos os oponentes serem assustadores e oponentes mais fracos ainda mais assustadores.
'Se veja nos seus oponentes. Eles vão te levar a entender o Jogo. Aceitar o fato de que o Jogo é sobre medo administrado. Que o objetivo é largar de si próprio o que você espera que não vá retornar.
'Esse é o seu corpo. Eles querem que você saiba. Você vai tê-lo com você sempre:
'Nessa questão não há conselho; você deve adivinhar o melhor que puder. Quanto a mim, eu não espero jamais realmente saber."
trecho do Romance "Infinity Jest" do escritor e pensador norte-americano David Foster Wallace que se matou em 2008 e faria 51 anos no dia 21 de fevereiro, traduzido direto do original pelo meu genial amigo J.V.
'Se veja nos seus oponentes. Eles vão te levar a entender o Jogo. Aceitar o fato de que o Jogo é sobre medo administrado. Que o objetivo é largar de si próprio o que você espera que não vá retornar.
'Esse é o seu corpo. Eles querem que você saiba. Você vai tê-lo com você sempre:
'Nessa questão não há conselho; você deve adivinhar o melhor que puder. Quanto a mim, eu não espero jamais realmente saber."
trecho do Romance "Infinity Jest" do escritor e pensador norte-americano David Foster Wallace que se matou em 2008 e faria 51 anos no dia 21 de fevereiro, traduzido direto do original pelo meu genial amigo J.V.
para escrever um poema sincero
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Vital
on segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
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É preciso suavizar o "para sempre" que dizemos,
reconhecer o risco de um "nunca mais" dito sem pensar - e principalmente
o pensado.
Não hesitar diante da palavra ou
da boca.
Imprescindível viver todos os momentos em nome do amor
sem a mínima expectativa de ser amado;
aprender a dizer:
- eu te amo.
sem ferir ou aprisionar a pessoa amada.
Sem fazer da palavra uma moeda de troca onde há necessariamente uma resposta pra tudo.
Não temer o silêncio ao recostar-se na penumbra
aumenta olhos e ouvidos enquanto o tato
elabora suas fomes.
Contemplar a multidão
sabendo-se parte e diferença num mesmo corpo
revela que a vida nasce do impossível.
Sofrer terrivelmente,
carregar consigo todas as dores do mundo e chorar,
chorar e não limpar as lágrimas, rasgar as vaidades começando pela vergonha.
Decifrar a fragilidade por trás da violência
e ser monumentalmente forte pela própria precariedade.
Amar a provisoriedade de eternizar momentos e
continuar tentando esculpir o tempo -
acreditar que somos a nossa própria criação.
reconhecer o risco de um "nunca mais" dito sem pensar - e principalmente
o pensado.
Não hesitar diante da palavra ou
da boca.
Imprescindível viver todos os momentos em nome do amor
sem a mínima expectativa de ser amado;
aprender a dizer:
- eu te amo.
sem ferir ou aprisionar a pessoa amada.
Sem fazer da palavra uma moeda de troca onde há necessariamente uma resposta pra tudo.
Não temer o silêncio ao recostar-se na penumbra
aumenta olhos e ouvidos enquanto o tato
elabora suas fomes.
Contemplar a multidão
sabendo-se parte e diferença num mesmo corpo
revela que a vida nasce do impossível.
Sofrer terrivelmente,
carregar consigo todas as dores do mundo e chorar,
chorar e não limpar as lágrimas, rasgar as vaidades começando pela vergonha.
Decifrar a fragilidade por trás da violência
e ser monumentalmente forte pela própria precariedade.
Amar a provisoriedade de eternizar momentos e
continuar tentando esculpir o tempo -
acreditar que somos a nossa própria criação.
Sem Medo
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Vital
on quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
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Eu te desafio.
Façamos um pacto de sangue, um pacto de lágrimas;
o mundo ainda quer nos engolir,
engolir nossas escolhas,
mas eu te peço:
- negue! O destino que separa o amor.
mas eu te peço:
- ame! O destino que nós inventamos.
Hoje o amor é muito mais que uma conquista
que um ideal ou qualquer tábula rasa.
Hoje o amor ultrapassou a barreira da linguagem,
ultrapassou a barreira do som. Porque hoje
o amor é o depois de toda dor da experiência, toda decepção daquilo
que não se realizou. Hoje o amor é o silêncio
que surge depois da palavra, depois de tudo que foi visto,
depois de toda busca por entendimento ou explicação.
Hoje o amor é para além de tudo aquilo que foi em vão.
Eu te desafio.
façamos um pacto de pele, um pacto no breu;
o mundo não é suas distâncias,
mas seus caminhos
e eu te peço:
- não meça mais o tempo.
eu te peço:
- pinte apenas o quadro impossível.
O amor é e será sempre hoje
tão imaterial quanto palpável: sonho-real.
O amor é o reconhecimento tátil do eterno indizível.
O encontro que não se poupa;
que é total na sua justa incompletude,
que é verdadeiramente belo
no erro da diferença.
Eu te desafio.
Façamos um pacto: de sofrer e gozar todo amor que nos envolve e nos permeia
sem medo.
Façamos um pacto de sangue, um pacto de lágrimas;
o mundo ainda quer nos engolir,
engolir nossas escolhas,
mas eu te peço:
- negue! O destino que separa o amor.
mas eu te peço:
- ame! O destino que nós inventamos.
Hoje o amor é muito mais que uma conquista
que um ideal ou qualquer tábula rasa.
Hoje o amor ultrapassou a barreira da linguagem,
ultrapassou a barreira do som. Porque hoje
o amor é o depois de toda dor da experiência, toda decepção daquilo
que não se realizou. Hoje o amor é o silêncio
que surge depois da palavra, depois de tudo que foi visto,
depois de toda busca por entendimento ou explicação.
Hoje o amor é para além de tudo aquilo que foi em vão.
Eu te desafio.
façamos um pacto de pele, um pacto no breu;
o mundo não é suas distâncias,
mas seus caminhos
e eu te peço:
- não meça mais o tempo.
eu te peço:
- pinte apenas o quadro impossível.
O amor é e será sempre hoje
tão imaterial quanto palpável: sonho-real.
O amor é o reconhecimento tátil do eterno indizível.
O encontro que não se poupa;
que é total na sua justa incompletude,
que é verdadeiramente belo
no erro da diferença.
Eu te desafio.
Façamos um pacto: de sofrer e gozar todo amor que nos envolve e nos permeia
sem medo.
O Autômato
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Vital
on quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
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Respiro por preconceito. E contemplo o espasmo das ideias, enquanto que o Vazio sorri a si mesmo… Não há mais suor no espaço, não há mais vida; a menor vulgaridade a fará reaparecer: basta um segundo de espera.
Quando se percebe existir, experimenta-se a sensação de um demente maravilhado que surpreende sua própria loucura e busca inutilmente dar-lhe um nome. O hábito embota nosso assombro de existir: somos, e vamos além, ocupamos nosso lugar no asilo dos existentes.
Conformista, vivo, tento viver, por imitação, por respeito às regras do jogo, por horror à originalidade. Resignação de autômato: simula fervor e ri disso secretamente; só submeter-se às convenções para repudiá-las às escondidas; figurar em todos os registros, mas sem residência no tempo; salvar a cara, quando seria imperioso perdê-la… Aquele que despreza tudo deve assumir um ar de dignidade perfeita, induzir ao erro os outros e até ele mesmo: cumprirá assim mais facilmente sua tarefa de falso vivente. Para que mostrar nossa ruína se podemos fingir a prosperidade? O inferno não tem boas maneiras: é a imagem exasperada de um homem franco e grosseiro, é a terra concebida sem nenhuma superstição de elegância e de civilidade.
Aceito a vida por cortesia: a revolta perpétua é de tão mau gosto como o sublime do suicídio. Aos vinte anos se rompe em impropérios contra os céus e a imundície que cobrem; depois se cansa. A pose trágica só corresponde à puberdade prolongada e ridícula; mas são necessárias mil provas para alcançar o histrionismo do desapego. Quem, emancipado de todos os princípios de costume, não dispusesse de nenhum dom de comediante, seria o arquétipo do infortúnio, o ser idealmente desgraçado. É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade…
Guardemos no fundo mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo. Deveríamos nos matar imediatamente se uma revelação imprevista nos persuadisse do contrário. Se o ar desaparecesse, respiraríamos ainda; mas sufocaríamos no mesmo instante se nos fosse roubada a alegria da inanidade…
por: Emil Cioran
em: Breviário de Decomposição
Quando se percebe existir, experimenta-se a sensação de um demente maravilhado que surpreende sua própria loucura e busca inutilmente dar-lhe um nome. O hábito embota nosso assombro de existir: somos, e vamos além, ocupamos nosso lugar no asilo dos existentes.
Conformista, vivo, tento viver, por imitação, por respeito às regras do jogo, por horror à originalidade. Resignação de autômato: simula fervor e ri disso secretamente; só submeter-se às convenções para repudiá-las às escondidas; figurar em todos os registros, mas sem residência no tempo; salvar a cara, quando seria imperioso perdê-la… Aquele que despreza tudo deve assumir um ar de dignidade perfeita, induzir ao erro os outros e até ele mesmo: cumprirá assim mais facilmente sua tarefa de falso vivente. Para que mostrar nossa ruína se podemos fingir a prosperidade? O inferno não tem boas maneiras: é a imagem exasperada de um homem franco e grosseiro, é a terra concebida sem nenhuma superstição de elegância e de civilidade.
Aceito a vida por cortesia: a revolta perpétua é de tão mau gosto como o sublime do suicídio. Aos vinte anos se rompe em impropérios contra os céus e a imundície que cobrem; depois se cansa. A pose trágica só corresponde à puberdade prolongada e ridícula; mas são necessárias mil provas para alcançar o histrionismo do desapego. Quem, emancipado de todos os princípios de costume, não dispusesse de nenhum dom de comediante, seria o arquétipo do infortúnio, o ser idealmente desgraçado. É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade…
Guardemos no fundo mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo. Deveríamos nos matar imediatamente se uma revelação imprevista nos persuadisse do contrário. Se o ar desaparecesse, respiraríamos ainda; mas sufocaríamos no mesmo instante se nos fosse roubada a alegria da inanidade…
por: Emil Cioran
em: Breviário de Decomposição
o Poema no Escuro
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Vital
on terça-feira, 16 de outubro de 2012
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A nossa história não está clara,
mas guarda em si qualquer beleza
ou indício de bravura;
é o poema no escuro.
O destino do nosso passado
Repleto de tiranos, selvagens, bandeiras, ditadores
e nenhum herói
[afora os farsantes].
É o chão dos esquecidos, dos marginais,
todos prontos e capazes das maiores atrocidades,
todos filhos de Caim carregando na testa sua sina.
Existem também os santos, muitos deles, redentores anônimos da humanidade,
principalmente nos viadutos e lixões,
principalmente onde não passam carros,
onde
só passam carros sem uma alma sequer. Mas sua carne é invisível,
seu nome impronunciável - eles estão expostos ao sol do meio-dia,
mas sua pele não queima nem cheira, porque eles sequer existem, porque eles não são mais que
uma massa indistinta e estarão sempre no escuro.
Não importa o quanto gritem.
No fundo do rio Amazonas, do São Francisco,
repousa esquecida à salvo nossa segunda face - não a do perdão humilhado,
receoso de reivindicar qualquer coisa que seja;
mas a do direito ao ódio não sublimado, a face da desforra secular, da antropofagia canibal faminta de tudo que quebra regras, burla leis e nos garante o inferno. Enquanto na superfície, trafegam
os motores, a falácia, pelo quintal da América Modelo
com seus mapas geopolíticos grotescamente alterados,
seu entretenimento homicida, seu melhor sorriso de saqueador
[estamos nos Trópicos],
sua mão grande de burguês sempre disposta a barganhar o que quem que seja,
com traidores, com arcebispos e até mesmo com Deus,
porque comprar almas mais baixas para que cometam e carreguem os pecados
dos quais são incapazes é tão justo
quanto a usura.
Antes, muito antes.
Seremos então a sesmaria portuguesa; a vizinha
forçadamente inimiga de los hermanos: - tão diferentes de nós!
Mas não! Não há nada que nos estreite, que seja capaz
de tornar-mo-nos ao menos suportáveis uns aos outros. Nem mesmo Além-Mar
somos compatíveis nas raízes de nossas árvores genealógicas putrefatas,
corroídas desde a casca até a moral,
nossa frágil moral de bons costumes, tolerância e respeito pela propriedade privada.
Deveríamos de fato refazer a guerra do Paraguai,
dizimar toda a América Hispânica num ciclo ad eternum ininterruptamente recomeçado,
para podermos enfim
adorar nossas catedrais, nossos costumes tão duramente reproduzidos
a sós com nossa mediocridade
e ainda assim indispensáveis aos pés do oratório.
Não está clara nossa história,
mas na sua escuridão guarda ainda qualquer beleza oculta.
Qualquer fagulha de insurreição. E para tanto,
não é preciso acender a luz, abrir a janela, olhar o sol.
Basta tatear as trevas com mãos noturnas - a noite é tão insondável quanto o fundo do rio, quanto a aurora do galo.
mas guarda em si qualquer beleza
ou indício de bravura;
é o poema no escuro.
O destino do nosso passado
Repleto de tiranos, selvagens, bandeiras, ditadores
e nenhum herói
[afora os farsantes].
É o chão dos esquecidos, dos marginais,
todos prontos e capazes das maiores atrocidades,
todos filhos de Caim carregando na testa sua sina.
Existem também os santos, muitos deles, redentores anônimos da humanidade,
principalmente nos viadutos e lixões,
principalmente onde não passam carros,
onde
só passam carros sem uma alma sequer. Mas sua carne é invisível,
seu nome impronunciável - eles estão expostos ao sol do meio-dia,
mas sua pele não queima nem cheira, porque eles sequer existem, porque eles não são mais que
uma massa indistinta e estarão sempre no escuro.
Não importa o quanto gritem.
No fundo do rio Amazonas, do São Francisco,
repousa esquecida à salvo nossa segunda face - não a do perdão humilhado,
receoso de reivindicar qualquer coisa que seja;
mas a do direito ao ódio não sublimado, a face da desforra secular, da antropofagia canibal faminta de tudo que quebra regras, burla leis e nos garante o inferno. Enquanto na superfície, trafegam
os motores, a falácia, pelo quintal da América Modelo
com seus mapas geopolíticos grotescamente alterados,
seu entretenimento homicida, seu melhor sorriso de saqueador
[estamos nos Trópicos],
sua mão grande de burguês sempre disposta a barganhar o que quem que seja,
com traidores, com arcebispos e até mesmo com Deus,
porque comprar almas mais baixas para que cometam e carreguem os pecados
dos quais são incapazes é tão justo
quanto a usura.
Antes, muito antes.
Seremos então a sesmaria portuguesa; a vizinha
forçadamente inimiga de los hermanos: - tão diferentes de nós!
Mas não! Não há nada que nos estreite, que seja capaz
de tornar-mo-nos ao menos suportáveis uns aos outros. Nem mesmo Além-Mar
somos compatíveis nas raízes de nossas árvores genealógicas putrefatas,
corroídas desde a casca até a moral,
nossa frágil moral de bons costumes, tolerância e respeito pela propriedade privada.
Deveríamos de fato refazer a guerra do Paraguai,
dizimar toda a América Hispânica num ciclo ad eternum ininterruptamente recomeçado,
para podermos enfim
adorar nossas catedrais, nossos costumes tão duramente reproduzidos
a sós com nossa mediocridade
e ainda assim indispensáveis aos pés do oratório.
Não está clara nossa história,
mas na sua escuridão guarda ainda qualquer beleza oculta.
Qualquer fagulha de insurreição. E para tanto,
não é preciso acender a luz, abrir a janela, olhar o sol.
Basta tatear as trevas com mãos noturnas - a noite é tão insondável quanto o fundo do rio, quanto a aurora do galo.
segredo
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Vital
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Poesia é uma coisa muito rara.
A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem, perdão.
Não peça.
Drummond.
A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem, perdão.
Não peça.
Drummond.